Se nada for feito, a produtividade continuará sem crescer, e teremos que aumentar as transferências de renda
Valor
As diferenças de participação no mercado de trabalho entre as regiões do Brasil estão aumentando nos últimos 20 anos. Enquanto cada vez mais pessoas trabalham nas regiões mais ricas, nas regiões mais pobres há um desengajamento. Por que será que isto está acontecendo? O que poderia ser feito no próximo governo para lidar com este problema? Será que precisamos reforçar as políticas regionais ou seria melhor investir em políticas sociais e educacionais?
A figura mostra a taxa de participação (proporção de pessoas que trabalham ou estão procurando emprego) entre as famílias com crianças pequenas nos últimos 20 anos para cada região do Brasil. Podemos ver que esta taxa está diminuindo lentamente nas regiões Norte e Nordeste e aumentando nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No início deste século, 63% das pessoas estavam no mercado de trabalho no Nordeste e 67% na Sudeste. Hoje em dia 59% participam no Nordeste e 74% no Sudeste, de tal forma que a diferença, que era de apenas 4 pontos percentuais em 2001, aumentou para 15 pontos em 2022.
Se nada for feito, a produtividade seguirá sem crescer, e teremos que aumentar mais as transferências de renda
Da mesma forma, a diferença de participação entre as pessoas mais e as menos escolarizadas aumentou de 6 para 16 pontos percentuais no país como um todo. Ou seja, estamos observando um aumento da estratificação social e regional do país em termos de trabalho e renda. Isto é ainda mais preocupante porque vai afetar também a próxima geração. As crianças que crescem nestas famílias sem trabalho estão sendo afetadas pela falta de renda e pelo stress causado pela falta de perspectivas dos pais e, portanto, provavelmente terão problemas para se inserir no mercado trabalho no futuro, criando um círculo vicioso.
Os principais fatores que explicam a falta de engajamento no mercado de trabalho são a pobreza na infância, a falta de capital humano e a substituição de trabalhadores menos qualificados por robôs e pela inteligência artificial. Em termos de pobreza, as pessoas que têm 40 anos hoje em dia nasceram no início da década de 80, quando não havia quase nenhum mecanismo de proteção social para os mais pobres. Não havia Bolsa Família, Sistema Único de Saúde, aposentadoria rural e muitos jovens estavam fora da escola. Isso criou uma geração de brasileiros sem aptidões cognitivas e socioemocionais suficientes para ingressar e permanecer no mercado de trabalho formal.
Um estudo importante publicado recentemente usou dados de 95 países para mostrar como a pobreza na infância afeta fortemente a saúde, a nutrição, e a cognição das crianças.1 Além disto, o estudo acompanhou crianças até a vida adulta e mostrou como a pobreza tem um efeito persistente no capital humano ao longo da vida, ampliando as desigualdades. No Brasil, os autores encontraram uma diferença de 20 pontos no QI dos adultos que cresceram em famílias mais ricas com relação aos que cresceram nas famílias mais pobres, a maior diferença entre todos os países analisados. Estas diferenças certamente têm impacto no mercado de trabalho.
Mas por que será que as diferenças de participação estão aumentando desde os anos 2000? Isto ocorre porque está havendo um processo gradual de substituição de trabalhadores menos qualificados por robôs e pela inteligência artificial. Pesquisas mostram que está havendo um processo de substituição das tarefas rotineiras (atendimento telefônico, consertos simples e operação de máquinas) por tarefas analíticas (pesquisas, análises, diagnósticos) e interativas (negociações, conciliações, ensino). Um exemplo típico são os “call centers” localizados no Nordeste, que estão cada vez mais sendo substituídos por máquinas.
Infelizmente, há pouco o que possa ser feito para engajar novamente os adultos que não tiveram os investimentos necessários em capital humano no passado, por terem nascido na pobreza. Os cursos de qualificação profissional têm efeitos muito reduzidos na maioria das vezes. Não podemos impedir as inovações tecnológicas. E as políticas regionais tradicionais também não conseguem resolver estes problemas, pois acabam servindo para manter empresas artificialmente e transferindo recursos para as famílias mais ricas das regiões mais pobres. É bem melhor transferir os recursos diretamente para as famílias mais pobres, sem passar pelos governos locais.
Para as novas gerações, é preciso evitar que as famílias com crianças permaneçam na pobreza, em moradias precárias e sem saneamento básico. É necessário aperfeiçoar os programas de transferências de renda para que os valores sejam bem mais elevados para as famílias com crianças. E estas crianças têm que ter acesso a creches de qualidade e atendimento de saúde completo, através dos programas de atenção básica.
A situação ficou ainda mais difícil depois da pandemia, que agravou os déficits de aprendizado dos alunos mais pobres e os problemas de saúde mental. Enquanto as famílias mais ricas organizam toda uma rede de proteção para seus filhos, com psicólogos, psiquiatras e professores particulares, as crianças mais pobres tem que se virar por conta própria. Se nada for feito para atenuar os efeitos da pandemia, as diferenças de participação no mercado de trabalho irão crescer ainda mais no futuro, a produtividade continuará sem crescer, e teremos que aumentar ainda mais as transferências de renda. Em suma, precisamos de políticas sociais e educacionais para enfrentar as desigualdades regionais.
1 “Effects of early-life poverty on health and human capital in children and adolescents: analysis of national surveys and birth cohort studies in LMICs”, Lancet, Cesar Victora e co-autores.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/politicas-regionais-ou-educacionais.ghtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.