Folha
Em janeiro de 2016, o IPCA acumulado em 12 meses foi de 10,7%. Em abril último, marcou 12,1%. Os dois processos inflacionários são, no entanto, muito distintos.
No primeiro, havia sinais de desequilíbrio doméstico entre oferta e demanda desde 2006, aproximadamente. Em particular, por todo esse período a inflação de serviços rodou acima da inflação cheia. Os serviços lideraram o processo inflacionário.
Pode-se argumentar que a inflação de serviços representava um ganho civilizacional. A política de valorização do salário mínimo mantinha os ganhos dos trabalhadores mais desqualificados correndo acima da inflação cheia.
O problema é que, naquela oportunidade, o ganho civilizacional ocorreu simultaneamente à queda do retorno das empresas privadas. O governo à época bem que tentou compensar com a elevação do investimento das estatais e com estímulos ao investimento privado.
Não funcionou. Que fique a lição. Há duas formas de garantir ganhos civilizacionais. A primeira é por meio de ações, em geral difíceis e com efeito a longo prazo, que elevem a produtividade do trabalho. Dessa forma, é possível haver ganhos de salários sem queda da rentabilidade das empresas privadas.
A segunda é o setor público ter situação fiscal robusta que permita políticas de transferências de renda aos pobres.
No atual processo inflacionário, temos dinâmica oposta. A inflação de serviços tem corrido atrás da inflação cheia. O motivo é que o atual surto inflacionário teve inicialmente forte componente de choque externo, fruto da natureza da recuperação em “V” da economia mundial após a parada súbita no segundo trimestre de 2020 e, mais recentemente, dos choques de preços em consequência da Guerra da Ucrânia.
Os choques que detonaram o processo inflacionário concentraram a inflação em bens de consumo duráveis e alimentos. A inflação de serviços veio a reboque.
Outra diferença importante entre os dois episódios inflacionários é que, no anterior, a inflação era um fenômeno doméstico. No atual, a inflação é um fenômeno global. Por exemplo, no Chile, na Colômbia, no Peru e no México, a inflação em 12 meses roda, respectivamente, a, 14%, 11%, 8,4% e 5%. No Brasil, fechou agosto em 8,4%. E a 7% na Índia, 8,3% nos EUA, 9,9% no Reino Unido e 9,2% na união monetária do euro.
Na Ásia, região que apresenta elevadíssimas taxas de poupança, a inflação não bateu com toda a sua força. Na China e em Taiwan, roda a 2,5% e 2,7%, respectivamente, e, no Japão, a incrível 0,7%! Na Coreia do Sul, há algum sinal de pressão, com a inflação rodando a 4,4%.Em razão das diferenças dos processos inflacionários, a desinflação no atual processo será muito menos dolorida. Os choques de preços vão se reverter, processo já iniciado.
De qualquer forma, algum custo haverá. O banco central americano, após relutar por diversos meses, tem reconhecido tal fato.
Para nós, com as seguidas surpresas positivas de crescimento, o mercado de trabalho deve terminar 2022 a pleno emprego. Não haverá espaço para expansão fiscal em 2023. De fato, o IBGE divulgou na sexta-feira (30) que o desemprego atingiu 8,6%, já considerando a série com ajuste sazonal.
Porém, como reconhecido no parágrafo quarto da ata da mais recente reunião do Copom —”o mercado de trabalho seguiu em expansão, ainda que sem reversão completa da queda real dos salários observada nos últimos trimestres”—, não há desequilíbrio nos salários.
Há um longo caminho para trazer a inflação no Brasil para a meta em 2024, mas a desinflação será bem menos dolorida do que no surto inflacionário anterior.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2022/10/duas-inflacoes-e-duas-desinflacoes.shtml
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