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A vitória dos grupos de pressão

Folha

Há dois padrões de escolha social em uma democracia: a lógica da ação coletiva de Mancur Olson e o teorema do eleitor mediano.

Em um processo eleitoral, a escolha será do eleitor que estiver no meio da distribuição de renda, isto é, aquele em relação ao qual metade da sociedade é mais rica e metade mais pobre.

Como em países muito desiguais o eleitor mediano tem renda muito menor do que a renda média da sociedade —a média é relativamente elevada, pois os ricos aumentam a média—, é natural que o eleitor mediano demande maiores transferências na forma de serviços públicos e políticas sociais.

A democracia em sociedades muito desiguais resulta na elevação da carga tributária e dos gastos sociais. Lá no longínquo ano de 2006 chamei esse equilíbrio, quando aplicado ao Brasil, de contrato social da redemocratização. Elaborei melhor esse argumento na coluna de maio do ano passado.

Mancur Olson notou que pequenos grupos organizados conseguem colocar na legislação medidas que geram ganhos substanciais de renda para si mesmos.

Os custos das medidas são diluídos na forma de piora do interesse difuso. Não são, portanto, percebidos. Como não há grupo que defenda o interesse difuso, muitas medidas do tipo “lógica da ação coletiva” são aprovadas.

Esse é um defeito da democracia em geral. No entanto, há algo no funcionamento de nossas instituições que faz com que sejamos muito mais vulneráveis à lógica da ação coletiva do que outras democracias, mesmo no nosso entorno. Tema para ser pesquisado pela ciência política.

Na virada de 2014 para 2015, ficou claro para a sociedade que havia um desequilíbrio fiscal estrutural. A sociedade, por meio do Congresso, tinha outorgado direitos a indivíduos e empresas sobre fatias do Orçamento e não tinha entregado recursos, na forma de receita de impostos, que fizessem frente aos direitos concedidos.

Desde o primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, a política tem arrumado as contas públicas. A forma encontrada pela política de gerir o conflito distributivo e dar um mínimo de racionalidade às contas públicas foi por meio do teto dos gastos.

Podemos dizer que o teto dos gastos produziu uma disputa entre os grupos de pressão e o eleitor mediano. E esse cabo de guerra foi vencido por larga margem pelos grupos de pressão.

Ficamos seguidos anos sem aumento real do salário mínimo. Os recursos para diversas áreas-fim do setor público, com impactos diretos na qualidade dos serviços—como temos visto no combate ao desmatamento, por exemplo—, têm minguado.

Não obstante, não têm faltado recursos aos grupos de pressão, o primeiro deles sendo os próprios parlamentares e seu orçamento secreto. A lista de medidas que atendem aos interesses particulares é gigantesca. Recente artigo de Marcos Mendes e Marcos Lisboa no Brazil Journal elenca um conjunto impressionante de emendas constitucionais e projetos de lei que, por um lado, atende a interesses particulares, e, por outro, por ferir o interesse difuso, compromete nosso crescimento futuro.

O fato de o cabo de guerra entre o eleitor mediano e os grupos de pressão ter sido vencido por estes últimos é sinal de que o teto dos gastos não funcionou?

Não é o caso. Somente seria o caso se, com mais gastos, tivéssemos melhores serviços públicos e, evidentemente, mais recursos para financiá-los. Essa opção não estava, e, me parece, não está sobre a mesa. Sem o teto dos gastos, iríamos celeremente para o abismo inflacionário.

O que aprendemos é que, nas vacas magras, nosso sistema político deixa a população de lado e continua a engordar seus interesses mesquinhos. Sem ou com inflação. E é sempre melhor sem inflação.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2022/10/a-vitoria-dos-grupos-de-pressao.shtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa