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Aprendizes de feiticeiro

Estadão

O erro foi cometido tantas vezes que não há mais surpresa quando o governo de um país fiscalmente frágil tenta acelerar o crescimento econômico aumentando o déficit público através da redução de impostos e do aumento de gastos. O susto veio por conta da “magia” adotada pela ex-primeira-ministra do Reino Unido, que tentou cortar impostos para acelerar o crescimento, quando a dívida e os déficits públicos eram altos, e o BoE vendia os gilts para reduzir a inflação.

A medida não funcionaria mesmo se o BoE não tivesse de evitar uma crise financeira resgatando gilts nos ativos dos fundos de pensão. Com uma dívida pública alta e crescente, o estímulo vindo do corte dos impostos seria anulado pelo aumento da taxa de juros, cuja intensidade aumenta com o crescimento dos prêmios de risco e com a depreciação da libra.

Taxas reais de juros baixas não são uma condição suficiente para gerar o crescimento, mas são uma importante condição necessária. O problema é bem mais complexo em países como o Brasil, que tem dívida pública alta e a taxa real de juros de equilíbrio supera o crescimento do PIB. Neste caso, a manutenção de juros baixos requer a geração de superávits primários.

As taxas das NTN-B não são uma medida perfeita da taxa real de juros de equilíbrio, mas seus movimentos ocorrem na mesma direção e em intensidades semelhantes. Entre 2009 e 2011, o governo manteve superávits primários que estabilizaram a dívida pública em torno de 55%, e as taxas das NTN-B caíram de 9% para próximo de 5% ao ano. Foi um período de crescimento econômico alto.

No governo Rousseff, a transformação dos superávits em déficits provocou a elevação das taxas das NTN-B, e, apesar do aumento dos gastos entre 2014 e 2016, vivemos uma recessão profunda. O período de maior sucesso ocorreu entre 2016 e 2019, quando o teto de gastos impôs a fórceps a obediência da restrição orçamentária intertemporal, com as taxas das NTN-B caindo para 4%.

A exagerada reação fiscal à pandemia, a captura do Orçamento pelo Congresso e o abuso de artifícios para gastar com objetivos eleitorais destruíram o arcabouço fiscal, que terá de ser substituído por outro que obrigue o cumprimento da restrição orçamentária intertemporal. Mas para isso são necessárias reformas politicamente custosas que eliminem desperdícios e aprimorem o sistema tributário. Diante do custo político de seguir o caminho correto, temo que as decisões continuarão sendo tomadas por aprendizes de feiticeiro, e que os gastos continuarão crescendo.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/aprendizes-de-feiticeiro/

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Sobre o autor

Affonso Pastore