Folha
Os maiores motores da economia mundial, isto é, Estados Unidos, zona do euro e China, desaceleram por três caminhos muito diferentes.
A economia americana apresenta uma dinâmica muito parecida com a brasileira. Parcela importante da inflação representa excesso de demanda sobre a oferta. A parcela da inflação que foi fruto de choque de oferta tem se revertido e continuará a se reverter em 2023. Observaremos inflação para baixo e inflação de serviços para cima. Isto é, apesar de a inflação cair, o grau de inércia continuará elevado.
Não se sabe qual será a intensidade da recessão necessária para trazer a inflação para a meta. O Fed, banco central americano, desde a última reunião saiu do modo de negação, em que esteve por boa parcela de 2021 e deste ano, e finalmente reconheceu que o combate a uma inflação em larga medida clássica, de excesso de demanda, requer forte desaceleração da economia. Já apontou que a taxa básica de juros será elevada até o intervalo entre 4,5% e 4,75%. A dúvida é se será necessário mais ou não. Em uns dois meses saberemos.
Falta reconhecer ainda que haverá uma recessão, provavelmente no segundo semestre de 2023, e que o desemprego terá que se elevar mais do que o 0,9 ponto percentual sugerido pelas previsões do comitê de política monetária do Fed.
Vale lembrar que o crescimento negativo observado no primeiro semestre de 2022 não pode ser considerado recessão. Nesse período foram gerados 3 milhões de postos de trabalho. A recessão ainda está por vir.
Para a Europa, a situação é totalmente distinta. Os choques de oferta continuam por lá. A elevação do preço do gás tem cortado a renda das famílias e contribuirá para moderar a demanda. O déficit público, fruto dos subsídios ao preço da energia para as baixas rendas, vai na direção oposta. Não está certo se a resultante dessas duas forças será inflacionária ou deflacionária. Assim, não está tão clara qual será a política monetária para 2023.
O crescimento europeu continuará a se reduzir, não em razão da queda de demanda, mas por causa do racionamento do gás, importante insumo para a produção. O continente é palco de uma guerra, e tudo sugere que ela se estenderá por 2023 adentro.
De qualquer forma, os estoques de gás para o inverno estão elevados e, aos trancos e barrancos, o velho mundo passará —melhor do que se imaginava— pelo inverno de 2022/2023.
Na China tem havido alguma aceleração da inflação de bens nos últimos meses. A inflação cheia roda a 2,7%, com bens a 4,3% ao ano. No entanto, os serviços rodam a 0,5%. A inflação de bens é proveniente da seca e de seus impactos sobre a oferta de alimentos e de carne suína. A inflação de carne suína está em 36% ao ano. Deve se reverter nos próximos meses.
Ou seja, não há inflação apreciável na China. Como discuti na coluna de 10 de setembro, os problemas chineses são de possível japonização prematura da economia, tendo que enfrentar situação crônica de carência de demanda agregada.
Para a economia mundial, a China está exercendo pressão desinflacionária, com o expressivo recuo ocorrido nos últimos meses na inflação ao produtor. Há forte correlação entre a inflação chinesa ao produtor e a evolução dos preços internacionais das commodities. Teremos surpresas desinflacionárias à frente.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2022/10/os-tres-motores-do-mundo.shtml
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