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O otimismo das projeções econômicas

Surpresas positivas podem sugerir que as reformas implementadas desde 2016 estariam tendo os efeitos almejados

Valor

Modelos utilizados para fazer projeções econômicas tendem a partir da premissa de que o futuro terá alguns elementos comuns com o presente e o passado. Como consequência, modelos tradicionais são particularmente frágeis na detecção tempestiva de rupturas estruturais. Mudanças estruturais são geralmente detectadas e analisadas depois do fato, e não previstas ex-ante.

Cabe notar, contudo, que, mesmo quando erram, as projeções podem ser úteis. Por exemplo, se, a partir de um determinado momento, os economistas passam a subestimar consistentemente a taxa de crescimento do PIB, é possível que esteja ocorrendo uma mudança estrutural, para melhor, na capacidade de expansão do produto, que não está sendo capturada analiticamente em tempo real.

Surpresas positivas podem sugerir que as reformas executadas desde 2016 estariam tendo os efeitos almejados

No caso do Brasil, o Banco Central compila, desde o início do século, uma amostra consistente de projeções sobre variáveis macroeconômicas, o chamado relatório Focus, que nos permite avaliar o comportamento das expectativas ao longo do tempo, bem como checar se há erros recorrentes.

Embora as projeções de taxas de juros e câmbio sejam mais relevantes do ponto de vista dos mercados de ativos, expectativas quanto à inflação e crescimento têm maior importância para famílias e empresas, e serão o foco desta coluna. Projeções podem ser e são feitas para vários horizontes, mas, para simplificar, vamos considerar aqui apenas aquelas divulgadas no final de dezembro, para o ano subsequente.

Considerando dados da amostra Focus desde 2001, pode-se concluir que os analistas têm, em linhas gerais, pecado por algum otimismo quanto à performance da economia. Isto porque, em média, projetam taxas de inflação mais baixas do que as efetivamente observadas, e taxas de crescimento um pouco mais fortes. A inflação anual média entre 2001 e 2021 foi de 6,4%, ante expectativas de 5,2%, já o crescimento ficou em 2,1%, frente a 2,6% esperados.

Surpresas inflacionárias têm sido mais frequentes e maiores do que surpresas desinflacionárias. Considerando apenas desvios superiores a 0,5 ponto percentual, para cada lado, houve surpresas inflacionárias em 10 anos, e desinflacionárias em 5 anos, e a inflação esperada ficou próximo da observada no resto do período. As maiores surpresas inflacionárias foram em 2002 (7,7 pontos percentuais), 2021 (6,7), 2015 (4,1) e 2001 (3,4). Já as maiores surpresas baixistas foram observadas em 2017 (-1,9), 2003 (-1,7) e 2006 (-1,4).

A sequência de surpresas baixistas de inflação entre 2016 e 2018, mesmo com flexibilização da política monetária, sugere que os analistas podem ter tardado um pouco a incorporar em seus modelos uma redução da taxa neutra de juros, ocasionada pela agenda de reformas implementada no período.

Quanto ao PIB, houve 13 surpresas negativas, e 7 positivas. Excluindo 2020, ano atípico dada a pandemia de covid-19, as maiores surpresas negativas ocorreram em 2015 (-4,1 pontos percentuais), 2001 (apagão, -2,6) e 2009 (recessão global, -2,4). As maiores surpresas positivas ocorreram em 2007 (2,6) e 2010 (2,4). O mercado tendeu a subestimar o crescimento no período anterior à crise de 2008-9, talvez por não incorporar plenamente os efeitos benéficos do boom de commodities.

As visões sobre a economia brasileira atingiram seu ponto de maior otimismo no final da primeira década do século, mas o que se seguiu foi um longo período de resultados decepcionantes – em maior ou menor grau, observamos surpresas negativas de crescimento, de forma ininterrupta, entre 2011 e 2016, em especial em 2012, e 2014-15. As surpresas provavelmente ocorreram porque os analistas subestimaram a relevância do ambiente global para o crescimento brasileiro, bem como os efeitos de decisões locais de política econômica.

É verdade que a atividade econômica tem surpreendido positivamente desde meados de 2020. O PIB caiu 4,1% naquele ano, mas isso foi bem menos do que o consenso de mercado acerca da intensidade da recessão, observado no momento de maior pessimismo sobre o impacto econômico da pandemia (-6,6% em julho de 2020). Houve também uma surpresa positiva em 2021 (1,2 pontos percentuais), e muito provavelmente haverá outra em 2022 (o consenso do mercado sobre o crescimento do PIB está atualmente em 2,76%, ante apenas 0,36% no final do ano passado).

Essa sequência de surpresas positivas pode sugerir que o crescimento tendencial da economia brasileira estaria aumentando – e isso constitui evidência preliminar (que merece ser estudada mais a fundo, sem vieses) de que as reformas implementadas desde 2016 estariam tendo os efeitos almejados.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-otimismo-das-projecoes-economicas.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita