Folha
De uns tempos para cá, tem surgido uma conversa estranha referente ao Orçamento de 2023 baseada na palavra inglesa “waiver”, cuja melhor tradução seria, nesse contexto, uma licença para gastar ou uma renúncia a observar o teto de gastos.
Segundo a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, “o Congresso atual vai ter boa vontade. O povo decidiu nas urnas que quer ter o Auxílio em R$ 600 e que quer ter aumento real do salário mínimo. O presidente Bolsonaro também prometeu isso. Então não acho que teremos dificuldades em aprovar isso até dezembro”.
A afirmação da presidente do PT está tecnicamente errada. A sociedade somente teria aprovado a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 em 2023 e a elevação do valor real do salário mínimo se os políticos tivessem contratado junto à população as condições de financiamento.
O problema é que não há autorização da sociedade para nova rodada de aumento da carga tributária. Não me lembro de qualquer candidato a presidente nas eleições ter defendido elevação de impostos.
Parece-me que o PT deseja reproduzir por aqui uma estratégia do Partido Republicano americano com sinal contrário. Lá, os republicanos, quando estão no governo, reduzem a carga tributária e elevam a dívida para impedir aumento de gasto público no ciclo democrata.
Por aqui, parece que o PT deseja elevar o gasto sem aumento simultâneo da receita para obrigar o Congresso, diante do fato consumado da expansão do déficit público, a aceitar a alta da carga tributária em um momento posterior.
Foi exatamente essa a estratégia de Dilma no primeiro mandato. Criou um déficit público estrutural que pensou ser passível de ajuste no segundo mandato.
A estratégia não é nova. FHC fizera o mesmo no primeiro mandato. Ou seja, parece que Lula 3 deseja seguir o caminho de FHC 1 ou Dilma 1, não o caminho de Lula 1. FHC 1 deu meio certo: com os esforços do secretário da Receita Federal Everardo Maciel, FHC 2 construiu um superávit primário estrutural de 2,5% do PIB, mas não conseguiu eleger Serra. Com Dilma 1, deu errado. Ante o fato consumado do desequilíbrio fiscal, o Congresso apostou no impedimento em vez de ajudar a presidente a sair da crise fiscal aguda em que se metera.
A estratégia é contrária ao livro-texto da ciência política: em geral, na primeira metade do mandato, o presidente coloca o pé no freio do gasto público, para aliviar a contenção fiscal à medida que as eleições se aproximam.
A estratégia também é contrária ao livro-texto de macroeconomia. O crescimento projetado de 3% em 2022 trouxe a taxa de desemprego para a proximidade dos 8,5%, ou seja, temos uma economia praticamente a pleno emprego.
A inflação encontra-se acima da meta, os juros reais e a dívida pública estão bem elevados. Nessas condições, promover uma expansão fiscal somente colocará mais lenha na fogueira da inflação. E, com ela, mais juros e mais endividamento.
Sei que “quem tem fome tem pressa”, mas sei também que uma crise fiscal aguda tem impactos ainda mais graves sobre a vida dos mais necessitados. Crise fiscal aguda agrava a fome.
A única saída é o PT encarar a disputa política que nunca quis enfrentar. Como disse FHC em um discurso no Itamaraty em 1998, “o principal problema é simples: o Estado não tem sido capaz de viver no limite de seus próprios meios. E por isso não cumpre o seu papel no processo de desenvolvimento brasileiro e fragiliza a nossa economia”.
O PT precisa convencer a sociedade a entregar mais recursos ao Estado na forma de impostos. Essa é a única maneira de garantir estabilidade econômica e simultaneamente retomar a política de valorização do salário mínimo e elevar o gasto nos programas de combate à pobreza.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2022/11/o-tal-do-waiver.shtml
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