Luiz Fernando Figueiredo não vê problema em expansão de R$ 100 bi de gastos, desde que exista um plano para controlar alta da dívida
Folha
Luiz Fernando Figueiredo, presidente do Conselho de Administração da Jive Investments e ex-diretor do Banco Central nos governos FHC e Lula, afirma não ver problema em um aumento de gastos em torno de R$ 100 bilhões no próximo ano para garantir programas sociais —desde que essa licença para gastar seja acompanhada por um plano para controlar o aumento da dívida pública nos próximos anos.
Para ele, o discurso do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desta quinta-feira (10) trouxe um conflito que não existe, entre gasto social e responsabilidade fiscal, o que explica a reação negativa do mercado.
Figueiredo diz acreditar que o governo eleito encontrará uma solução razoável para a questão fiscal que dará ao país condição de crescer 2% em 2023, muito acima das projeções de mercado.
O senhor participou da transição entre os governos FHC e Lula. Seria possível traçar um paralelo com a situação atual em termos de desafios econômicos? Na época o Brasil estava bem em termos de reformas, e o resultado fiscal gerava estabilidade futura da dívida. Ainda tinha uma fragilidade no balanço de pagamentos, o desafio de uma inflação muito alta e um problema de rolagem da dívida. Foi importante naquele momento que o governo apontasse para o lado da responsabilidade fiscal. Se não gerasse alguma confiança, não ia conseguir rolar a dívida pública e ia quebrar.
E agora? O Brasil fez um volume grande de reformas nos últimos seis anos. Temos um balanço de pagamento saudável. A inflação já teve o pico e tem uma tendência de queda gradual. Eu sou daqueles que estão otimistas com o crescimento no ano que vem. O mercado estima menos de 1%, e eu acho que, se a gente tiver uma situação fiscal razoável, pode crescer 2%, apesar desse mundo mais desafiador.
Você não tem problema de rolagem de dívida, o Tesouro tem um caixa bem robusto, mas a gente tem uma situação de fragilidade fiscal e não tem o superávit necessário para estabilizar a relação dívida/PIB. Ela se estabilizou nos últimos anos por fatores que não vão se perpetuar. Nossa dívida é a maior entre os emergentes, tem a vantagem de ser financiada localmente, os estrangeiros têm uma parte pequena da dívida. Mas não dá para brincar.
O Orçamento de 2023 prevê uma contração de gastos no ano que vem, e o governo eleito está propondo alterações. Existe um certo consenso que as duas campanhas trouxeram de que algum crescimento de gasto deveria acontecer, social, com extensão dos R$ 600 [do Auxílio Brasil], aumento de salário mínimo, mudança da tabela do Imposto de Renda, mesmo com esse Orçamento mais apertado.
A questão é que você não pode só fazer essa ampliação fiscal e não dizer qual vai ser o arcabouço para que, no médio prazo, você consiga trazer a dívida para um número mais razoável. As duas coisas têm de ser meio casadas. Para você ter permissão para gastar mais, tem de dizer como vai resolver isso. Como é que financia essa mudança de um déficit fiscal para um superávit para estabilizar a dívida.
Seria possível ser razoável sem sacrificar as promessas de campanha? Não vai sacrificar nenhuma. Só não dá para falar que eu vou fazer tudo agora e não vou resolver a questão do endividamento. Em um ambiente pior, as necessidades sociais vão se ampliar. Você entra num ciclo vicioso. Precisamos de uma situação mais razoável para entrar em um ciclo virtuoso. Não está difícil. Eu diria que está fácil.
Não precisa de muito. Faz uma PEC em torno de R$ 100 bilhões e um arcabouço, por exemplo, em cima de resultado primário. Daqui dois anos, vou estar com superávit de 2% a 2,5% do PIB. Se tiver um olhar crível nisso, está resolvido, o Brasil passa a crescer de 2,5% a 3%. Está muito na mão. O que as pessoas estão buscando é razoabilidade. Se a gente tiver isso, vai ser um país capaz de resgatar essa dívida social que é gigante.
A discussão apenas em cima do gasto, sem a parte do financiamento, pode estar minando a confiança do mercado no novo governo? O que acontece é que o Lula veio com um discurso que não ajudou. Ele trouxe um conflito que não existe. Foi um discurso ainda de campanha. Para melhorar o ambiente, para fazer um conjunto de ações sociais que realmente beneficie, principalmente os mais vulneráveis, precisa de estabilidade.
O mercado não é um grupo de pessoas da Faria Lima. São investidores do mundo inteiro, nós que estamos tomando nossas decisões, as empresas, todo mundo.
Ok, vamos gastar mais agora porque é necessário socialmente, mas não vai resolver essa questão do endividamento? A Bolsa está caindo mais de 4% hoje [na quinta, por volta das 16h], o câmbio está se desvalorizando. O mercado reagiu muito negativamente.
O problema é o tamanho do gasto ou a falta dessa sinalização de responsabilidade fiscal? Não é suficiente dizer que eu já fui responsável fiscalmente lá atrás. E agora, como será? As pessoas não estão falando que não dá para gastar nada a mais. Estão dizendo que tudo bem, mas precisa ter alguma coisa que seja razoável. Quando diz que vai gastar e que não sabe o que vai fazer, gerou um problema. É natural o que estamos vendo. O mercado está com uma dúvida e não é uma dúvida pequena.
A meu ver, o que vem pela frente, é uma arrumação dessa visão. O [novo] governo dizer que entende que temos de ter uma sustentabilidade da dívida. E daí todo esse conjunto de iniciativas sociais acaba tendo o efeito que precisa ter.
Orçamento são sempre escolhas. A resposta para uma necessidade de gastos sociais maior não pode ser sempre aumento de gastos. Eu privilegio os que são prioritários. A meu ver, R$ 175 bilhões é demais, pode ser que tenha sido colocado para que se negocie com o Congresso para chegar em um nível menor.
Essa é a primeira questão importante. A segunda é entender se a gente vai estar diante de uma agenda de reformas que aumente a produtividade da economia ou uma agenda que não aumente. Por exemplo, a sinalização de uso de bancos e empresas públicas já custou muito caro para os brasileiros.
A dúvida era menor em relação ao primeiro ponto. Depois do discurso do Lula, ela cresceu. Foi um discurso que vai até contra uma base de apoio de centro que ele teve. Enfim, vamos ver se é só discurso. Nesse sentido, acho que vai prevalecer um certo pragmatismo. Nenhum governo se elege para reduzir a dívida, mas se ele não tiver uma dívida sob controle, não consegue fazer a agenda dele, que o país melhore. É só você não se tornar insustentável. Só isso.
Aquele pragmatismo que a gente viu em 2003 vai se impor novamente agora? Ele vai, mas não é o que está acontecendo. Os primeiros sinais são ruins. O ambiente internacional está muito desafiador. Em um ambiente desses, a paciência do investidor é muito menor. Tem de tomar cuidado. Ainda mais tendo uma dívida tão alta. Vimos o exemplo do que aconteceu na Inglaterra. O governo mal entrou e já caiu.
Eu estou no campo mais otimista em relação ao crescimento do ano que vem, mas estou partindo do princípio que haverá um pragmatismo grande no âmbito fiscal. O Lula fez isso [quando foi presidente]. Quando a Dilma não fez, ele foi crítico a ela. A base de apoio para esse governo é uma base além da esquerda. O próprio Congresso é um Congresso reformista. Você olha todos esses elementos. Aí vem o discurso do Lula, que foi contra isso. Vamos ver quais as ações que vêm pela frente. Você tem um grupo de transição que é difícil, tem gente de várias vertentes, mas a chance é grande de chegar a um consenso razoável.
Mas falta o nome do ministro da Fazenda. Há uma chance maior a meu ver de ter um ministro na linha mais política com boa capacidade de negociação com o Congresso e uma equipe técnica robusta. O ano que vem, se esse pragmatismo prevalecer, nós vamos nos surpreender com um crescimento maior do que os analistas têm projetado. A gente está diante de uma mega oportunidade. O Brasil adora perder uma oportunidade. Espero que não perca essa.
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