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Lula deveria estar mais preocupado

Folha

No sábado passado (5), escrevi que há no debate orçamentário para 2023 discussão de uma possível renúncia em cumprir o teto do gasto. Seria um waiver.

Na quarta-feira (9), Persio Arida lembrou que a palavra waiver não é adequada para caracterizar o que se discute. Waiver remete a uma elevação temporária do gasto. O que se debate é uma elevação permanente. Agradeço a Persio a correção.

Ora, se há o desejo de uma elevação permanente do gasto público, é necessário que se discuta simultaneamente elevação da carga tributária para financiar a alta permanente da despesa.

Ou seja, a discussão relevante não é quebrar o teto dos gastos. Certamente quebrar o teto dos gastos é o que de mais fácil há. Vale lembrar que o teto dos gastos foi instituído somente porque a sociedade, por meio do Congresso Nacional, deixou de aceitar novas rodadas de elevação da carga tributária desde, pelo menos, 2004.

Vamos aos números. Segundo a IFI (Instituição Fiscal Independente), o superávit primário do governo central ajustado ao ciclo econômico foi, em 2021, de 0% do PIB.

Como as medidas eleitoreiras de Bolsonaro são temporárias —no fim de 2022, tanto o Auxílio Brasil de R$ 600 retorna ao seu valor de R$ 400 quanto as desonerações do PIS/Cofins terminam—, muito provavelmente o déficit fiscal da União ajustado ao ciclo e líquido da tentativa de estelionato de Bolsonaro repetirá em 2022 o mesmo 0% do PIB de 2021.

Para que a dívida pública se estabilize, é necessário superávit primário ajustado ao ciclo de uns 2% do PIB. Consequentemente, o buraco fiscal em 2022 deve ser da ordem de 2% do PIB.

Se há o desejo de elevar permanentemente o gasto público em 1% a 2% do PIB, o buraco fiscal elevar-se-á para 3% a 4% do PIB, algo entre R$ 300 bilhões e R$ 400 bilhões.

Ou seja, o tema não é a rigidez do teto dos gastos. O tema é como construir uma situação fiscal que impeça a volta da inflação.

Como fazer para elevar a carga tributária e/ou aprovar reformas que reduzam o gasto público em R$ 300 bilhões a R$ 400 bilhões?

É estranho que o presidente eleito e as lideranças políticas petistas em geral não pensem dia e noite nesse tema. Se comportam como se a legitimidade do gasto social fosse suficiente para que os recursos magicamente aparecessem.

É importante lembrar que o Congresso Nacional é sócio do Executivo quando este propõe elevar os gastos. Quando a crise fiscal chega, a tendência é o Congresso lavar as mãos e jogá-la no colo do Executivo.

O motivo é muito simples: o eleitor responsabiliza o Poder Executivo pela desorganização macroeconômica. Não há incentivo aos congressistas em arcar com os custos em suas bases eleitorais da aprovação de medidas de elevação de receita e de redução de gastos.

A sociedade rachada agrava essa disfuncionalidade de nossa política.

Assim, tenho tido muita dificuldade em entender o discurso de “gasto é vida” de Lula na semana passada. Ao sentar na cadeira do Palácio do Planalto, o presidente enxergará um buraco fiscal de R$ 200 bilhões. No entanto, Lula tem se esforçado para transformá-lo em um buraco de R$ 300 bilhões a R$ 400 bilhões!

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Na segunda-feira (7), a academia perdeu Edward Prescott (81 anos), Prêmio Nobel de Economia. Entre 1980 e 2003, Prescott fez parte do revolucionário grupo de pesquisadores do Departamento de Economia da Universidade de Minnesota.

Há inúmeras contribuições de Prescott, mas a maior delas, no meu entender, foi metodológica: ele nos convenceu de que os modelos macroeconômicos não somente ajudam a nossa intuição a compreender os fenômenos mas devem ser quantificáveis.

Nesse sentido, Prescott foi uma espécie de Galileu da macroeconomia.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2022/11/lula-deveria-estar-mais-preocupado.shtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa