Folha
Uma das frases favoritas de Fábio Barbosa, meu ex-chefe, é: “Suas ações falam tão alto que não consigo escutar o que você está dizendo”.
Andei refletindo um bocado a respeito dela à luz de declarações do futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em entrevista recente, afirmou: “Não estamos num momento em que a expansão fiscal vai ajudar a economia”. Na mesma linha, reforçou: “Temos que compatibilizar a responsabilidade fiscal com a responsabilidade social”.
Ambas as afirmações deveriam soar como música ao mercado financeiro, aparentemente o público a que foram direcionadas. Entretanto, quando observamos o desempenho do mercado de renda fixa, por suas características o mais sensível à política econômica doméstica, e também o mais importante para a trajetória futura do endividamento público, ninguém parece particularmente seduzido pelo canto do ministro.
Nem deveria. As ações do futuro governo, principalmente no que diz respeito à política fiscal, estão em direta contradição com a letra da canção. Nas contas de analistas respeitáveis como Marcos Mendes, colunista desta Folha, o aumento de gastos relativamente ao orçado para o ano que vem pode atingir perto de R$ 200 bilhões —cerca de 2% do PIB.
À parte o gasto associado ao auxílio emergencial e a outras medidas durante a pandemia, trata-se do maior aumento de despesas em um único ano desde que conseguimos acompanhar as contas do governo federal. E isso num contexto de IPCA ainda acima da meta, com a inflação subjacente correndo entre 8,5% e 9% ao ano; atuando, portanto, no sentido oposto daquele perseguido pelo Banco Central. Enquanto este se esforça para reduzir o ritmo de expansão da demanda, a proposta do novo governo busca acelerá-lo.
De fato, sabe-se que a manutenção do Auxílio Brasil (agora rebatizado novo Bolsa Família) nos atuais patamares, ainda vitaminado pela inclusão do adicional por crianças até seis anos de idade, implicaria gastos da ordem de R$ 70 bilhões adicionais aos já orçados. A que se destinam os demais R$ 130 bilhões?
Apesar da fantasia de que o gasto federal, medido como proporção do PIB, se manteria estável em comparação ao observado em 2022, supostamente neutro (ênfase em “supostamente”), portanto, é fato que, mesmo sob essa ótica favorável, se elevaria e não pouco.
As falas do ministro, portanto, não escondem a predileção da política econômica: mais gastos. E não está sozinho nisso: o indicado para a secretaria executiva do ministério, Gabriel Galípolo, jamais escondeu sua inclinação pela intervenção estatal, seja sob a forma de gasto público, seja pela interferência nas relações econômicas. Em sua tese de mestrado, por exemplo, afirmava que a superação do atraso brasileiro só poderia resultar “da mediação do Estado na organização do processo produtivo”. Em artigo cometido nesta Folha (“Números vão às ruas contra tortura de colunista”, 21/11/15), tendo como cúmplice Luiz Gonzaga Belluzzo, conseguiu a proeza de somar dois déficits e obter um superávit.
De forma congruente, temos a nomeação do ex-senador e ex-ministro Aloizio Mercadante para o BNDES.
O histórico dos governos petistas na gestão do banco já não é positivo, marcado pela concessão de generosos subsídios creditícios —sabe-se lá por quais critérios— a “campeões nacionais”, como a notória JBS, além do uso da instituição para estimular a demanda, a chamada “política parafiscal” —mecanismo que, entre outras coisas, reduzia o poder da política monetária.
Nesse contexto, é no mínimo preocupante que Mercadante tenha reclamado da atual taxa referencial do banco, a Taxa de Longo Prazo (TLP), dando a entender que defende o retorno a uma sistemática similar à existente naquele período.
Não é surpresa, portanto, que o mercado financeiro não se encante pelas promessas de Haddad. Não basta proferir “novo arcabouço fiscal” três vezes a cada discurso na esperança de que isso convença os agentes econômicos da seriedade de intenções. Atos, não palavras, são necessários, em particular medidas que de fato trarão o necessário controle do gasto, ausência notável até agora.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/12/o-canto-de-haddad.shtml
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