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Diante da troca do governo federal no início do ano que vem, a equipe do Investing.com Brasil realiza uma série de entrevistas com economistas sobre as perspectivas para a economia brasileira a partir de 2023. A segunda delas foi com o economista Alexandre Schwartsman. Em entrevista exclusiva, o economista afirmou que o principal desafio do governo eleito é a formulação de um plano fiscal consistente.
O economista criticou uma possível utilização de bancos públicos para concessão de crédito subsidiado, o que teria levado a uma “certa atrofia no mercado de capitais” no passado, avaliou que as falas do novo ministro da Fazenda não condizem com as políticas adotadas pela transição e indicou uma perspectiva de soft power brasileiro com direção em organismo internacional.
Confira a entrevista na íntegra:
Investing.com – Quais os principais desafios econômicos do próximo governo?
Alexandre Schwartsman – Acho que o primeiro deles é conseguir vir com um plano fiscal minimamente consistente que aponte para uma tendência diferente daquela que foi apontada durante o período de transição.
A ‘PEC da gastança’ sugere um aumento da ordem de R$200 bilhões no gasto. Mas a questão é o que será feito depois para equacionar, como vamos colocar as contas públicas em ordem de tal maneira sinalizar que a trajetória de endividamento do país vai ser diferente do que é sugerido com esse montante.
O Brasil possui uma dívida de cerca de 75%/80% do Produto Interno Bruto (PIB). Para estabilizar essa dívida como proporção do PIB, a gente precisaria, por baixo, gerar um resultado primário positivo na casa de 2% do PIB. A direção atual é de um resultado negativo na casa de 1,5% a 2%. Então, tem um caminho enorme e a uma sinalização mais consistente do que se espera a esse respeito precisa ser mostrada para que toda essa a preocupação que existe hoje com a trajetória da dívida, que se traduz em aumento de taxas de juros, possa ser resolvida.
Inv.com – Há um receio sobre a utilização de bancos públicos para fornecimento de crédito subsidiado. Que efeitos isso traz na economia brasileira?
Schwartsman – Isso traz pelo menos duas ordens de problemas. Na questão macroeconômica, a utilização de bancos públicos, principalmente o BNDES, que teve um auge no período de 2010 até 2017 mais ou menos, criou um segmento de crédito gigantesco na economia brasileira que não era afetado pela taxa de juros que é controlada pelo Banco Central.
Então, havia um impulso para demanda que ocorria em paralelo com o que é controlado no Banco Central. Era necessário trabalhar mais com a Selic para controlar a economia do que seria necessário caso não existisse esse segmento de crédito basicamente isento ou não afetado pelas variações da taxa básica de juros. Isso se traduz, tudo mais constante, numa taxa real de juros neutra mais alta do que a taxa de juros que vigoraria na ausência desse mecanismo. Então, precisa de mais juros para manter a economia numa trajetória consistente com as metas de inflação. Isso é um problema macro e já é um problema suficientemente severo.
Também existe um problema micro, que é potencialmente mais complicado. Qual é o critério utilizado para a concessão de créditos para determinados setores? Vimos que o BNDES – falo mais do BNDES, mas também é verdade em algum grau sobre Banco do Brasil (BVMF:BBAS3), Caixa, BNB, entre outros – escolheu campeões nacionais sabe-se lá por quais critérios, o que fez com que boa parte do desses recursos fossem usados não nos segmentos que seriam mais produtivos para economia, mas, como regra, naqueles segmentos que tinham melhores contatos, melhor condição de convencer o cedente do crédito de que era meritório. Isso acabou levando a uma perda grande de produtividade na economia.
Ainda, essa situação ajudou a manter o mercado de capitais menos desenvolvido do que seria ideal para o país porque nenhuma empresa, em sã consciência, nenhum diretor financeiro, iria para mercado de capitais tendo alternativa de captar recursos abaixo de preços de mercado. Então acabou levando também a uma certa atrofia no mercado de capitais.
Quando o país fez a migração da TJLP para TLP, foi gradualmente eliminando o subsídio que existia nas taxas de juros do BNDES, principalmente. Vimos uma evolução muito positiva do mercado de capitais. Acho que isso acaba ajudando, reduz o poder dos bancos. Não é um efeito tão grande porque quem vai para o mercado de capital e já é uma empresa de porte considerável. Essas empresas, como regra, pagam spreads menores, mas aumenta o grau de competição no mercado financeiro, o que é positivo também.
Inv.com – O senhor citou em um artigo que ninguém parecia ter sido seduzido pelo futuro ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT). Como avalia as falas do futuro ministro até o momento?
Schwartsman – A questão é a dissonância entre a fala e a ação. Se for olhar os discursos do Fernando Haddad, muita coisa não difere daquilo que eu estou falando aqui agora.
Ele falou, por exemplo, sobre um novo arcabouço fiscal que, enfim, vai sinalizar a sustentabilidade de dívida. Isso é o que se fala. O que se faz, estamos vendo um pacote de gastos de quase R$200 bilhões. Só por um ano? É uma bobagem. Porque a aprovação da própria PEC significa que, basta o governo aparecer com qualquer lei complementar que sinalize alguma coisa do lado do gasto, já deixou de ser uma limitação.
E a grande verdade é que o próprio teto de gastos, quando ele foi proposto, a ideia era um ajuste fiscal bastante suave ao longo de vários anos, por mais que tenha sido apelidado de ‘PEC do fim mundo’, que ia fazer com que os serviços brasileiros regredissem, a ideia era fazer um ajuste de gasto ao longo de dez anos. Bem lento. Agora se propõe algo que, em tese, seria menos restritivo que teto de gastos. O que sugere um ajuste ainda mais lento. A gente tem uma tarefa para ser feita e não tem nenhuma indicação de como isso deve ocorrer.
O Brasil contava com uma lei de responsabilidade fiscal e com metas de superávit primário. O que houve no governo Dilma? Pedalada. Na teoria, atendia as regras, mas na prática, não tinha nenhum controle.
No governo Bolsonaro, em particular em 2021 e 2022, ainda que de acordo com a própria legislação do teto, foi aprovada a ‘PEC dos precatórios’, o que mexeu na sistemática do teto para permitir aumento de gastos, seja não pagando o precatório, seja mudando de uma maneira oportunista o indexador do teto de gastos. Depois, vimos a ‘PEC Kamikaze’ e agora tem a ‘PEC da Transição’ ou a ‘PEC da Gastança’.
Então, vamos colocar um novo mecanismo de controle de gastos e dessa vez vai ser diferente? This time is different: são as palavras mais assustadoras que qualquer pessoa em mercado financeiro deveria identificar.
O necessário não é sinalizar um arcabouço fiscal porque essa questão é muito ‘bonitinha’, mas a grande verdade é que a nossa história não é particularmente confiável no que diz respeito a obedecer às regras que a gente mesmo coloca.
Na verdade, não precisamos vir com novo arcabouço e sim verificar a trajetória de gastos obrigatórios, com previdência, funcionalismo, com indexação… Temos um emaranhado de regras que vimos, pela nossa experiência histórica, que produzem automaticamente um aumento considerável do gasto obrigatório no país.
Se quiser mudar essa dinâmica, é preciso apresentar um conjunto de reformas que vai lidar com isso. O que eu vou fazer com o funcionalismo? Reforma administrativa. O que eu vou fazer com previdência? Se precisa mexer com a indexação, indicar quais as propostas.
O novo arcabouço fiscal, para que seja crível, implica na formulação de um conjunto de reformas que mexam na evolução do gasto obrigatório e aprovar essas reformas no Congresso. Sem fazer isso, não adianta apresentar lei complementar extraordinariamente complexa, super bem pensada, e que, na prática, a gente sabe que a chance de funcionar converge para zero.
Isso é o que precisa, em vez dessa conversa mole para boi dormir de arcabouço fiscal, porque realmente ninguém vai acreditar. Eu vou ser o primeiro a desacreditar de qualquer proposta que venha do Ministério da Fazenda.
Inv.com – Qual a importância da eleição do economista Ilan Goldfajn como presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)?
Schwartsman – O Brasil tem como regra uma participação modesta em organismos financeiros internacionais. O Brasil está meio que afastado disso. O IIan Goldfajn já tinha avançado muito quando se tornou Diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI), sendo o primeiro brasileiro a atingir essa hierarquia.
É importante mostrar que o país faz parte da ordem internacional e que tem quadros que são competentes o suficiente para lidar com essas questões. Do ponto de vista da economia brasileira, propriamente dita, é menos relevante porque o Brasil não depende tanto do Banco Interamericano.
Mas vai ter um soft power, mostrando que o país tem condições de se integrar e, mais a frente talvez, essa nomeação tenha um papel relevante para o país nos demais nos demais organismos financeiros internacionais.
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