Empresário acredita que Lula terá dar a palavra final quando houver divergência na economia
Valor
Às vésperas da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para seu terceiro mandato, o empresário Pedro Passos, um dos acionistas principais da Natura, avalia como positivas as indicações feitas pelo presidente petista para compor os futuros ministérios. Para Passos, os nomes de Marina Silva (Rede) para Meio Ambiente de e de Camilo Santana (PT) para Educação têm bom histórico e deverão dar uma guinada na gestão das duas pastas, que tiveram administração “desastrosa” com a equipe de Jair Bolsonaro (PL).
O empresário ainda vê, contudo, como um ponto de interrogação as indicações para o comando da Economia, uma vez que há uma composição formada por nomes com visões diferentes.
De acordo com o empresário, Fernando Haddad (PT) na Economia, Aloizio Mercadante (BNDES), Simone Tebet (MDB) no Planejamento, e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), na Indústria e Comércio, com Roberto Campos Neto no Banco Central (BC), com diferentes visões sobre os rumos da economia, podem levar o presidente Lula a ter a palavra final em decisões importantes nas diretrizes da política econômica.
“Claramente a gente vê visões diferentes. Isso pode ser um problema mais para frente, com disputa interna no governo, como também pode trazer alguma luz à medida que o presidente Lula acabe arbitrando os caminhos”, diz o acionista da Natura, que foi presidente do Instituto de Estudos para Desenvolvimento Industrial (Iedi).
A transferência de renda é importante, mas o que é preciso é política social de longo prazo na educação e saúde”
“Lula fará um melhor governo se abandonar as ideias econômicas do PT”, afirma. Apoiador da candidatura de Simone Tebet para a presidência a República, Passos espera que a futura ministra possa contribuir no governo Lula. “Além da competência pessoal e experiência política, ela defende uma modernização da economia brasileira. Se bem assessorada, ela pode ter uma influência muito importante.”
Para Passos, é importante que o novo governo crie uma âncora fiscal porque a situação de desconfiança e instabilidade vai permanecer e o crescimento do país será baixo. “Nós não temos chance de recuperar o crescimento do país se tivermos uma situação de instabilidade, desconfiança na sustentabilidade das contas públicas. Então, essa é a tarefa que o governo assumiu, mas não demonstrou a direção que vai seguir ainda.”
Ele defende uma visão mais liberal para economia, com o país mais moderno, se inserindo mais internacionalmente, fazendo as reformas – administrativa e tributária. “Uma economia moderna com crescimento baseado no aumento da produtividade. Para aumentar a produtividade, precisamos fazer uma série de reformas, inclusive enfrentando esses grupos de interesse que se apoderaram do Estados brasileiros, com subsídios e incentivos.”
Para ele, os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, são importantes para população em situação muito crítica. “O auxílio é necessário, mas precisa ser focalizado. Muito melhor direcionar os recursos para aqueles que são muito pobres do que distribuir de forma geral, como reduzir o preço da gasolina, por exemplo. A transferência é importante, mas o que é preciso ter uma política social de longo prazo na educação e saúde, garantir Justiça, o que muda o país de patamar. O que muda é formar um cidadão com maiores competências.”
A princípio, vejo um ambiente em que Lula vai ter de dar as cartas para priorizar as escolhas”
Para Passos, o governo de Bolsonaro foi um retrocesso para o Brasil. “Ele prejudicou a imagem do país no exterior, com políticas desastrosas em diversos campos, como saúde e educação, além da área ambiental. Do ponto de vista econômico, embora tenha entregado bons indicadores no final de governo, há muitas falhas, deixando represados problemas para o próximo governo.”
A seguir, os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Estamos às vésperas da posse do presidente Lula, mas há ainda muita tensão em relação ao que pode acontecer no dia 1º de janeiro. Como o senhor avalia esse silêncio do Bolsonaro em relação a essas ameaças de violência?
Pedro Passos: Em primeiro lugar, todos nós estamos na torcida para que seja uma posse tranquila. O Brasil não está precisando de mais instabilidade. Acho que, infelizmente, [Jair] Bolsonaro [PL} dá mais um exemplo antidemocrático. Ele não vai passar a faixa presidencial, não participará da posse e há um silêncio que é o contrário do que deveria ser feito. Na verdade, ele deveria estar apaziguando os brasileiros. Mais uma vez espero que a gente vire essa página para que possa passar para um ambiente mais construtivo.
Valor: Qual o balanço que o senhor faz da gestão de Bolsonaro?
Passos: O governo de Bolsonaro, infelizmente, foi um retrocesso para o Brasil. Ele prejudicou a imagem do país no exterior, com políticas desastrosas em diversos campos, como saúde e educação, além da área ambiental. Do ponto de vista econômico, embora ele tenha entregue bons indicadores no final de governo, há muitas falhas, deixando represados problemas para o próximo governo. Em síntese, é um governo que no Brasil se prejudicou com retrocesso muito grande nesse período. Nós vínhamos de um governo curto, porém. importante de Michel Temer, que alinhou o país numa direção, com reformas importantes. O governo Bolsonaro poderia manter aquele ritmo, mas não manteve. Fez uma proposta liberal, mas não foi liberal. Espero que a gente tome outro caminho.
Valor: Quais falhas aponta nas diretrizes econômicas dele?
Passos: Tem alguns indicadores positivos, como inflação caindo, nível de emprego que está melhorando. Houve movimentos importantes, como o Banco Central independente e reformas micros, porém, foi um governo que quebrou o teto de gastos e deixa uma situação fiscal difícil para o próximo governo. Assim como Lula, Bolsonaro também prometeu durante campanha manter o auxílio emergencial. Essa situação fiscal não é sustentável daqui para frente.
Valor: Mas o PT é contra teto de gastos…
Passos: Isso não é uma situação sustentável. O novo governo vai ter de tomar medidas, seja de redução de gastos ou, infelizmente, de aumento de arrecadação. Existe algum espaço, se forem feitas as reformas corretas para isso, mas é importante que o novo governo crie uma âncora fiscal porque, senão, essa situação de desconfiança e instabilidade vai permanecer e o crescimento do país será baixo. Nós não temos chance de recuperar o crescimento do país, se tivermos uma situação de instabilidade, desconfiança na sustentabilidade das contas públicas. Então, essa é a tarefa que o governo assumiu, mas não demonstrou a direção que ele vai seguir. Por isso, estamos vivendo essa instabilidade. Infelizmente, em alguns discursos, o governo tem mostrado uma visão atrasada da economia. Lula fará um melhor governo, se abandonar as ideias econômicas do PT. É uma crença minha. Se o governo continuar prometendo induções setoriais, intervenção na economia, como na formação de preços dos combustíveis ou energia, expansão de gastos sem uma âncora, será um mau governo.
Valor: O que seria exatamente abandonar as ideias econômicas do PT?
Passos: É ter uma visão mais liberal para economia, com o país mais moderno, se inserindo mais internacionalmente, fazendo as reformas importantes (administrativa e tributária). Também é preciso conduzir a questão social de maneira mais focalizada. Importante citar a Lei de Responsabilidade Social, que a Simone Tebet (MDB-MS) defendeu em sua campanha, de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Enfim, economia moderna com crescimento baseado no aumento da produtividade.
Valor: Como se aumentaria a produtividade?
Passos: Para aumentar a produtividade, precisamos fazer uma série de reformas, inclusive enfrentando esses grupos de interesse que se apoderaram do Estado brasileiros, com subsídios, incentivos e salários. Tanto no setor público como no privado, nós vemos que o orçamento brasileiro é dominado por um grupo de setores que não permite uma ação social mais contundente e efetiva. Não há dúvida que a prioridade do novo governo é a social. Mas para conduzir os programas sociais é preciso considerar sustentabilidade econômica, revendo a alocação dos recursos públicos. Sem essa revisão de gastos e alocação de recursos, só vamos empilhar mais gastos. E essa situação fica não sustentável.
Valor: Lula deixou bem claro na sua campanha que vai colocar o pobre no Orçamento. Como ele deveria fazer isso?
Passos: Os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, são importantes para população em situação muito crítica. O auxílio é necessário, mas precisa ser focalizado. Muito melhor direcionar os recursos para aqueles que são muito pobres do que distribuir de forma geral, como reduzir o preço da gasolina, por exemplo. A transferência é importante, mas é preciso ter uma política social de longo prazo na educação e saúde, garantir Justiça, o que muda o país de patamar. Não é transferência de renda que muda o país de patamar. O que muda é formar um cidadão com maiores competências.
Valor: Como o senhor tem avaliado a composição dos ministérios?
Passos: Temos algumas escolhas importantes. Na educação, os nomes indicados de Camilo Santana (PT) para comandar a pasta e Izolda Cela na secretaria-executiva foram uma ótima escolha. Marina Silva é uma autoridade indiscutível para comandar o meio ambiente, reconhecida internacionalmente. Vejo como excelente a indicação de Bernard Appy para condução da reforma tributária. Na economia, com Fernando Haddad à frente, Aloizio Mercadante (BNDES), Simone Tebet (Planejamento), Geraldo Alckmin (vice-presidente e Indústria e Comércio), com Roberto Campos Neto no Banco Central (BC), claramente temos visões diferentes. Isso pode ser um problema, com uma disputa interna no governo, exigindo do presidente Lula continuamente arbitrando as escolhas. Insisto: Lula só fará um melhor governo se abandonar a visão histórica do PT para a economia.
Valor: Lula terá de arbitrar muito por conta dessa diferença de visão entre os ministros?
Passos: Acredito que sim. A princípio, vejo um ambiente em que Lula vai ter de dar as cartas para priorizar as escolhas.
Valor: Acredita que Lula é mais pragmático que o PT?
Passos: Entendo que Lula agiu com pragmatismo no seu primeiro governo, seguindo os passos determinados pelo governo FHC. Dali para frente a coisa foi tomando outra cara e culminou nos erros do governo Dilma. Estamos vivendo um Brasil e um mundo diferente de 2002. Declarações do presidente contra privatizações, reforma trabalhista, responsabilidade fiscal refletem uma visão inadequada das necessidades do Brasil para poder retomar o crescimento sustentável. É difícil afirmar quem está falando mais alto, se o Lula ou o PT.
Valor: Como vê a nomeação de Simone Tebet para o Ministério do Planejamento?
Passos: Espero que a Simone possa contribuir. Como se sabe, eu apoiei o programa dela e ela, além da competência pessoal e experiência política, defende uma modernização da economia brasileira. Se bem assessorada, ela pode ter uma influência muito importante, assim como outros ministros do planejamento já tiveram, como Mário Henrique Simonsen, Hélio Beltrão e Paulo de Tarso Almeida Paiva. Espero que as divisões [na economia] não imobilizem o governo.
Valor: Antes de Simone Tebet aceitar o ministério, houve muitas críticas dentro da própria militância do PT em relação ao seu nome. Como o senhor avalia esse fogo amigo dentro do PT?
Passos: Temos visto uma ambição do PT, superando a busca da Frente Ampla definida na campanha. Prevalece a preocupação com a governabilidade sem alinhamentos dos fundamentos do programa de governo. Com certeza, este poderá ser um problema.
Valor: Na área econômica, Haddad e Mercadante foram alvos de críticas no mercado. As equipes formadas por eles preocupam?
Passos: Vi alguns comentários sobre equipe do Haddad, de que há nomes pouco experientes, mas com formação técnica boa. Tenho muita admiração pelo Bernard Appy, que deve conduzir uma boa reforma tributária. Conheço nomes indicados pelo Aloizio pelo BNDES. Tenho impressão que a questão não será de equipe. O que vai definir no final do jogo é o Lula, com a composição que ele fez de uma equipe liberal de um lado e de nomes mais intervencionistas e desenvolvimentistas do outro. A aposta é que Lula não repita a visão tradicional do PT, manifesta no governo Dilma Rousseff.
Valor: O que ele não poderia repetir, por exemplo?
Passos: Dilma foi um governo expansionista em termos de gastos, intervencionista de preços, com subsídios aos bancos públicos, sem controle. Todos esses recursos não se transformaram em crescimento. Ao contrário, uma crise que tem rescaldos nos dias de hoje. E isso assusta, se o caminho do novo governo for por aí. Quanto antes governo der mais clareza sobre a âncora fiscal, como lidar com o déficit e políticas de produtividades mais amplas, com reformas, melhor para restabelecer clima de confiança e até retomada dos investimentos.
Valor: Lula indicou pelo menos dos empresários para comandar o Mdic, mas teve de nomear Geraldo Alckmin para essa função. Como o senhor avalia essa saída??
Passos: O Alckmin tem um excelente diálogo com o setor privado em geral e tenho impressão que ele pode ser um interlocutor com influência bastante importante na economia, representando o setor privado no MDIC, além da experiência dele como gestor, com responsabilidade fiscal. Não sei se é uma escolha para todo o mandato. Depende de como as coisas vão evoluir política e economicamente.
Valor: O que o senhor espera da política externa e do meio ambiente?
Passos: Essas duas pastas caminham relativamente juntas. No meio ambiente, acho que vai ficar claro logo no começo que Marina vai combater de forma vigorosa o desmatamento ilegal, com o reequipamento de alguns órgãos importantes, com ações coordenadas com a Polícia Federal. Também teremos uma evolução em relação às políticas climáticas. O Brasil tem uma grande oportunidade de ser uma potência ambiental. Daí entra o ministério de Relações Exteriores, que deve nos auxiliar para que Brasil ganhe uma posição mais relevante. Também acredito nas relações comerciais e acredito que o Brasil precisa evoluir de uma posição tradicional de sul-sul para uma política de integração global maior. Acho que Brasil deveria retomar o acordo entre Mercosul e União Europeia e evoluir para outros tratados bilaterais.
Valor: O que vemos com a crise global é uma onda maior de protecionismo. A recessão não deverá intensificar esse movimento?
Passos: A gente está vivendo um momento de desglobalização, com retomada de protecionismo. Mas o Brasil está tão atrasado nessa área… Não estamos no mesmo estágio que outros países. Apesar das maiores barreiras de proteção, as indústrias de maior agregação de valor estão perdendo relevância no mercado interno e globalmente. Esse não é o caminho para o Brasil. O país precisa aumentar a produtividade. É preciso aumentar a produtividade industrial para produzir com maior eficiência. Não é só barreira de produtos, mas também de serviços. O Brasil precisa se integrar globalmente, não apenas com política certa que reoriente os investimentos. O setor externo pode trazer boas oportunidades, não só com investimentos externos no país, mas podemos resolver muitos gargalos [com abertura comercial].
Valor: Qual deve ser o papel das Forças Armadas no novo governo?
Passos: O papel constitucional na Defesa. Não precisamos de uma politização. As Forças Armadas são uma instituição de Estado e assim devem permanecer. Acho que a gente teve uma ameaça trazendo muitos militares reformados ou não para o seio do governo Executivo e isso não foi uma boa direção.
Link da publicação: https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/12/30/lula-so-fara-um-bom-governo-se-abandonar-ideias-economicas-do-pt.ghtml
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