IstoÉ
Conhecido por sua personalidade “curta e grossa” e pelas críticas ácidas aos diferentes líderes de governo do País, Alexandre Schwartsman é um economista respeitado por sua coerência e transparência naquilo que defende. Ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, ele foi contemporâneo de pós-graduação de Fernando Haddad, ministro da Fazenda do governo Lula. Schwartsman acha que a tarefa de seu colega não será fácil. “Ele estará no Ministério como executor daquilo que o presidente quer.” Ele considera que os primeiros sinais da nova gestão mostram mais semelhança com a política do governo Dilma Rousseff, que culminou com a Nova Matriz Econômica, do que com o primeiro mandato de Lula.
O terceiro mandato de Lula não deverá ter a tradicional lua de mel de 100 dias. O mercado reagiu mal nos primeiros dias. Como o novo governo está lidando com as expectativas?
Acho que não muito bem, não é? Basicamente, o presidente Lula deixou bem claro que não é com esse público que ele quer lidar e, sim, com outro. Mas o fato é que há muita desconfiança com o tipo de política econômica que vai se implementando nesse terceiro mandato. Muita gente tinha a expectativa que seria em algum grau uma reprise do que se observou no primeiro mandato, particularmente até 2006, e o que estamos vendo até agora será alguma coisa mais parecida com a política econômica que começou no segundo mandato e culminou com a Nova Matriz Econômica durante o governo Dilma.
A PEC da Transição, que já está em vigor, pode fazer a dívida pública aumentar perigosamente?
Não é questão de se pode, nem de ser profeta do caos. É uma questão simples. Já havia no Orçamento de 2023 uma projeção de déficit. Ele era problemático, subestimava tanto receitas quanto despesas. Então, provavelmente, a arrecadação e as receitas devem ser mais altas. O que se está colocando de adicional de despesa provavelmente vai jogar o resultado primário do governo federal para o negativo. Os estados devem ir também para o negativo, até por conta de medidas que foram tomadas no governo anterior, notoriamente como aconteceu com o ICMS. Se a gente olha para o conjunto do setor público no Brasil, ele deve registrar um déficit. Eu tenho um déficit primário e uma taxa de juros real sobre a dívida que é muito maior que o crescimento do PIB. Aí, não tem jeito, é uma questão aritmética: a dívida, depois de cair por dois anos, volta a subir no decorrer deste ano. A questão é como você vai equacionar ao longo dos demais anos.
Fernando Haddad diz que o governo vai preparar uma proposta de âncora fiscal. Isso já não deveria ter sido feito?
Idealmente, sim. Mas não é uma discussão trivial, inclusive pelo seguinte: tem um lado técnico da história. Tem algumas características que você gostaria idealmente de ver em uma âncora fiscal, mas há algo mais importante do que isso. Depois que a gente colocou um limite para o gasto público na Constituição e mudou esse limite uma vez em 2019, duas vezes em 2021 e mais uma vez em 2022, não tem a menor credibilidade qualquer coisa que você diga que vai adotar como âncora fiscal. A razão é muito simples: qualquer pessoa que tem um mínimo de capacidade de observar o que está ocorrendo à sua volta percebe que no Brasil, sempre que há um conflito entre a âncora fiscal e o objetivo político de curto prazo do governo de plantão, o que vence é o objetivo político de curto prazo. É tão simples quanto isso. Assim, não ia adiantar muito colocar uma âncora fiscal a essa altura do campeonato sem que se tenha uma ideia muito clara do que se vai fazer mais à frente. Então, a grande verdade é que a gente vai ficar no vácuo.
O governo Lula vai conseguir imprimir sua pauta com a maioria de oposição no Congresso?
Se falar da pauta de aumento de gastos, nós estamos tendo uma prova cabal de que isso não será um problema. Nunca você vai ter um Congresso oposicionista no Brasil, com raríssimas exceções. É preciso um grau de inabilidade política que só a Dilma e o Collor conseguiram alcançar. Via de regra, o Congresso não é oposicionista. Você negocia, alguns dizem que você compra o Centrão. Acho isso uma injustiça. O Centrão jamais se vende. Ele no máximo se aluga, pois não é bobo. Não existe um grupo político defendendo ajuste fiscal no Brasil. Não existiu e ouso dizer que jamais existirá. Se a pauta for “vamos aumentar os gastos”, ela não terá nenhum problema. Aliás, diga-se de passagem, quando houve a votação da PEC Kamikaze, o PT gostosamente votou a favor dela. Do ponto de vista de política econômica, eu acho que onde pode ter alguma resistência é a questão do aumento de carga tributária, mas isso vai depender da natureza do Congresso ser governista.
O sr. acredita em uma agenda reformista no governo Lula? Ou há o risco de o governo revogar a minirreforma trabalhista e a reforma previdenciária, entre outros avanços?
Acho que tem elementos que parecem ser reformistas. O Fernando Haddad mais de uma vez falou da reforma tributária em particular, a que foi proposta pelo Bernard Appy, recordando que o Bernard sempre foi muito próximo ao partido, ainda que hoje em dia menos. Mas ele foi economista do PT anos atrás. Acho que talvez por aí tenhamos uma boa surpresa, lembrando, é claro, que pela própria formulação desse projeto, ele dificilmente trará resultados de curto prazo. A proposta do Bêca [Bernard Appy] é ir diminuindo os atuais impostos indiretos, o PIS, COFINS, ICMS, IPI etc, ir trocando ao longo do tempo, gradualmente, por esse novo IVA [Imposto sobre Valor Agregado]. Então é uma coisa que, mesmo que seja aprovada, vai demorar um bom tempo para virar realidade.
Paulo Guedes reclamava que não conseguia negociar reformas com o Congresso. Haddad vai ter mais habilidade para isso?
Desculpa, reclamar? Sempre é difícil, né? Acho que o Congresso, por mais imperfeita que seja sua representação, é um espelho da sociedade brasileira, tem outros interesses nessa história. Se você não gosta disso, então não entra nesse jogo, não vá ser ministro. Não acho que o Fernando seja o cara mais hábil. O presidente, sim, é considerado um cara hábil, mas precisa ver onde ele quer gastar o capital político dele. Lula não vai pegar uma situação como pegou em 2003, quando, com todos os problemas, ele herdou uma casa essencialmente em ordem. Não precisou fazer muito! Fez uma reforma previdenciária de algum impacto, mas que o PSDB da época, que era grande oposição comprou, porque inclusive fazia parte da pauta deles também.
Qual sua opinião sobre a distribuição dos cargos para os aliados? O presidente conseguiu acomodar bem a todos que o ajudaram durante a campanha?
Vários cientistas políticos já chamaram atenção que nos governos do PT havia uma desproporcionalidade entre a representação no Congresso e a representação no Executivo. Explico. O PT tinha muito mais peso no Executivo do que tinha no Congresso, e os aliados tinham muito menos peso no Executivo do que no Congresso. A saída para acomodar esse pessoal foi o Mensalão. Hoje, talvez, seja uma prática mais arriscada. Estou dando ênfase no talvez, porque depois do que o Supremo Tribunal Federal fez vai saber se alguém vai ter que se preocupar em ser punido por isso. Agora, vamos ver como o PT vai lidar com esse novo cenário no Congresso, haja vista que o próprio PT é uma sombra do que foi no primeiro governo Lula. Hoje não há, sozinha, uma força no Congresso grande o suficiente. Será uma engenharia política muito complicada e muito provavelmente vai deixar um monte de gente descontente.
O sr. acredita que o orçamento secreto vai continuar no governo Lula?
Não existe mais o orçamento secreto, agora chama-se emendas do relator, é um instrumento da democracia! Na linha do que estamos conversando, eles vão precisar cooptar os caras de alguma forma. Então, só vai mudando o nome, a prática vai continuar a mesma.
O mundo caminha para uma recessão em 2023? Como isso vai afetar o Brasil?
Acho que tem uma chance muito boa de uma forte desaceleração do crescimento. Acho que a Europa provavelmente entra em recessão. Os Estados Unidos também terão forte desaceleração, mas para mim não está ainda clara a intensidade. Acredito que a China também. Então, se não tivermos uma recessão, teremos um mundo que crescerá bem menos do que nos acostumamos a ver nesses dois anos de pós-pandemia.
Um vídeo gravado em setembro 2017, em que Fernando Haddad (PT) fala em tom irônico que só havia estudado Economia por dois meses apenas, voltou a circular assim que veio a confirmação do nome dele para o ministério da Economia. Seu nome até foi citado num trecho, como tendo ajudado ele a “colar”. O que esperar de Haddad liderando a pasta?
O vídeo era uma brincadeira, isso nunca aconteceu. Eu não tenho mais contato há muito tempo. A gente foi bastante amigo. Do meu lado, não deixei de ser. O que vejo é que ele vai executar a política econômica que, de alguma forma, reflete o que o Lula e o partido querem. Não que ele vá formular alguma coisa e vá convencer o Lula do contrário. Acho que é no sentindo oposto.
O Fernando é conhecido por sua lealdade canina ao presidente. Ele estará no Ministério como um executor daquilo que o Lula quer. Sem dúvida é seu homem de confiança, inclusive porque acho que tem uma outra questão nessa história, e aqui vai a opinião de um economista brincando de cientista político. O Fernando está sendo de alguma forma ungido como sucessor do Lula. Por isso ele está nesse cargo, que o qualifica para ser o sucessor, pois ele [Lula] tem certeza de que vai dar certo e o Haddad vai colher os louros e será o candidato. Mas eu ainda desconfio que o candidato do Lula para 2026 será o próprio Lula.
Link da publicação: https://istoe.com.br/haddad-e-conhecido-por-sua-lealdade-canina-ao-lula/
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