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Mais um tiro no pé?

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O novo governo tem trazido inúmeras discussões, porém o debate sobre sustentabilidade fiscal, o novo arcabouço fiscal e a política monetária, sem dúvida, têm sido os protagonistas.

O anúncio de Fernando Haddad para comandar o Ministério da Fazenda trouxe uma reação negativa dos agentes econômicos, tanto investidores, quanto empresários e indivíduos, que passaram a ter mais dúvidas sobre o front fiscal do novo governo.

O tema da PEC, aprovada ainda em 2022, trouxe mais receio, uma vez que ela, mesmo sendo só por um ano, nos distanciou de maneira relevante do mínimo de superávit primário capaz de dar sustentabilidade ao nosso endividamento, algo como 2% do nosso PIB.

Já nos primeiros dias do ano, começaram a surgir sinalizações mais positivas do lado do próprio Haddad. O ministro da Fazenda se mostrou mais disposto a dialogar com os agentes, orientando suas afirmações na linha de ressaltar a importância de apresentar um novo arcabouço fiscal e na urgência de colocar para votação a reforma tributária. Além disso, apresentou as primeiras medidas de recuperação fiscal, que no final trouxeram uma visão menos negativa com um déficit primário potencialmente menor, entre 0,5% e 1,0% do PIB este ano.

E ainda tem tido um papel muito relevante, junto com a ministra do planejamento Simone Tebet e do ministro Alexandre Padilha, que nada mais é do que desdizer os rompantes do presidente da república nas questões macroeconômicas.

O nosso presidente tem se concentrado em direcionar suas críticas ao Banco Central. Atacou a atual meta de inflação sendo a favor de um nível mais elevado, criticou a independência do BC, ao dizer que esperará o fim do mandato (em 2024) do presidente Roberto Campos Neto para avaliar qual foi o efeito positivo da independência da autoridade monetária, e ainda que a nossa taxa de juros é “uma vergonha” de tão alta.

A defesa de uma meta de inflação mais elevada é “supostamente” em prol de um crescimento econômico maior, uma vez que reduz a pressão sobre juros mais elevados para cumprir a meta. Mas o que ele aparentemente não sabe é que elevar a meta de inflação tem impacto direto na desancoragem das expectativas de inflação. A consequência das expectativas desancoradas é o aumento da própria inflação corrente e maior pressão sob o Banco Central para subir juros, pois além de convergir a inflação para a meta, ele terá o trabalho de ancorar novamente as expectativas.

Em um relatório recente do Itaú, simulando uma elevação de 100 pontos base na meta de inflação e uma desancoragem das expectativas de mesma magnitude, a inflação corrente subiria cerca de 200 pontos-base (supondo que Selic fique constante) e entre 160-200 pontos base a mais de juros para convergir a inflação para a nova meta.

No comunicado da última reunião do Copom, uma das novidades foi citar o Conselho Monetário Nacional em um trecho completamente novo no documento. Essa foi uma sinalização do BC para o governo de que a discussão é delicada, bastante técnica e diz muito mais do que apenas a vontade de fomentar de volta o crescimento econômico, impacto que não acontece de imediato como o presidente pensa.

Pelo ritual existente, o Conselho Monetário Nacional se reunirá no mês de junho para debater a meta de inflação para dois anos à frente. Acontece que o presidente tem batido nesta tecla dia sim, e outro dia também. Isto traz uma reação natural de dúvidas do que vem pela frente, se olharmos as expectativas já estão lá todos os sinais: será que iremos dar novamente um tiro no nosso próprio pé?

Link da publicação:https://www.linkedin.com/pulse/mais-um-tiro-p%C3%A9-luiz-fernando-figueiredo/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Luiz Fernando Figueiredo