O ciclo de alta de juros somado a uma taxa estável em patamar elevado por mais tempo gera diversas implicações econômicas e uma delas diz respeito ao mercado de crédito.
Infelizmente é isso que devemos enfrentar, pelo menos, no primeiro semestre deste ano.
A incerteza causada pela agenda fiscal, acompanhada de uma pressão pública ao Banco Central, levarão à postergação da queda de juros por parte do BC. Antes desses questionamentos e dúvidas sobre a política fiscal, o mercado já projetava o início do processo de redução de juros entre abril e maio. Hoje essa projeção foi para o último trimestre deste ano.
Neste ambiente, a inadimplência, em especial a das famílias (ou pessoa física), tem aumentado muito. Segundo a última nota de crédito divulgada pelo Banco Central, a inadimplência acima de 90 dias de recursos livres para pessoa física atingiu alta de 6,0% e parece não ter atingido pico ainda. Esse nível é similar a meados de 2016, época em que a Selic estava na casa dos 14,25%.
Dados reportados pela Serasa apontam para um recorde da série histórica de número de inadimplentes no Brasil: cerca de 70 milhões, somado ao crescimento do valor médio da dívida em torno de R$ 4.600.
Esse cenário tem ampliado a urgência para que o governo acelere as discussões e a efetiva implementação do chamado programa “Desenrola”, que já era proposta de campanha do presidente Lula.
O intuito do programa é a renegociação das dívidas somadas em até R$ 5 mil atrasadas há mais de 180 dias até 31 de dezembro de 2022, entre os brasileiros que recebem até dois salários-mínimos. Parcela que, de acordo com o governo, soma aproximadamente 50 milhões de negativados. A instituição financeira quitará a dívida para o devedor e um novo empréstimo será gerado a ele, com uma taxa de juros de 1,99% ao mês.
Fato é que o atual patamar de juros e a desaceleração econômica no final são o correto remédio para a redução do processo inflacionário, mal vivido de maneira muito intensa no mundo todo. As projeções de inflação na maioria dos países se situa muito acima das metas para este ano, algo entre 2 a 3 pontos percentuais acima, isto tudo tem como consequência o aumento da inadimplência.
Ainda que não esteja em ritmo tão acelerado quanto nas famílias – inadimplência acima de 90 dias de recursos livres para pessoa jurídica está próxima de 2,5% -, é válida uma preocupação para a inadimplência das empresas também.
O caso recente das Lojas Americanas foi emblemático para o aumento da preocupação sobre o mercado de crédito, reforçado por Lojas Marisa também. Se empresas desse porte estão reportando problemas na saúde financeira, o que esperar das pequenas e médias empresas?
Interessante ver esse cenário conversando com, por exemplo, as emissões de debêntures no ano passado. Tivemos um recorde de emissões que somaram R$ 271 bilhões, uma alta de 8,2% em relação a 2021.
Para se ter ideia do quão expressivo é esse número, as emissões totais no mercado de capitais foram de R$ 544 bilhões. Ou seja, debêntures corresponderam a praticamente 50% das emissões. Não só o balanço dos bancos acaba ficando pressionado, mas também o mercado de fundos de crédito e mesmo o de renda fixa, que carregam crédito.
São tempos muito desafiadores. Precisamos ter harmonia nas políticas e uma redução efetiva das incertezas trazidas por discursos ou narrativas exacerbadas. Quanto mais esticarmos estas cordas, mais teremos consequências em crescimento, menor queda da inflação e mais aperto no mercado de crédito, com consequências gravíssimas para as pessoas e empresas, mesmo com programas como o “Desenrola”, que somente reduzem um pouco a dor de processos como esse.
Link da publicação: https://www.linkedin.com/pulse/sob-holofotes-luiz-fernando-figueiredo/?trackingId=0kIGlx%2FNYLmuy0Kfyhb7nw%3D%3D
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.