Entrevistas

Não prevejo uma crise bancária nem ‘credit crunch’ no Brasil, diz Meirelles

Sobre os problemas no sistema bancário americano, causados pela quebra do Silicon Valley Bank e do Signature, ele aponta que, diferentemente da crise de 2008, desta vez os grandes bancos americanos estão sólidos

Valor

Henrique Meirelles era presidente do Banco Central durante a crise financeira global de 2008 e ministro da Fazenda na maior recessão da história do Brasil, na transição do governo Dilma para a administração Temer. Ou seja, é uma especialista em lidar com momentos turbulentos. Apesar de recomendar alguma cautela, ele não acredita que o Brasil viva um “credit crunch” em função dos juros altos e do caso Americanas, e também não prevê uma crise bancária de grandes proporções nos Estados Unidos, que afetaria o sistema brasileiro.

Sobre os problemas no sistema bancário americano, causados pela quebra do Silicon Valley Bank e do Signature, Meirelles aponta que, diferentemente da crise de 2008, desta vez os grandes bancos americanos estão sólidos, e na verdade se beneficiando, já que têm sido destinatários de muitos depósitos que estão saindo dessas instituições comunitárias e de médio porte. Na Europa, onde o Credit Suisse enfrenta grandes dificuldades, ele admite que a situação é um pouco mais preocupante, mas diz que nos dois lados do Atlântico as autoridades tomaram ações rápidas e decisivas para evitar um efeito cascata.

“As pessoas tendem a generalizar, têm memória curta e já fazem comparações com 2008. Naquela época os grandes bancos americanos ficaram insolventes. A crise não atingiu imediatamente o Brasil porque os bancos brasileiros já eram bem regulados, e ainda são, tem índices de liquidez, depósitos, casamento de ativos e passivos, então a crise não os atinge via questões de liquidez ou preocupação de mercado”, comenta.

Mesmo assim, ele diz que a crise global foi bastante grave e só teve suas repercussões minimizadas no Brasil em função das ações adotadas pelas autoridades locais. “A crise chegou aqui muito séria, mas as ações tomadas pelo BC, que tinha acumulado reservas internacionais e garantiu que estava pronto para substituir todos os financiamentos internacionais por até um ano, além de vender dólares no mercado futuro, resultaram que foi uma crise de curta duração, que o Lula acabou chamando de marolinha”, lembra.

Ele não acredita que os problemas bancários atuais chegarão ao Brasil desta vez. “Como os grandes bancos americanos estão bem capitalizados, não vejo uma crise sistêmica afetando o Brasil”. Dessa forma, não acha que exista necessidade das autoridades brasileiras se manifestarem sobre o caso, tentar de alguma forma acalmar os investidores locais.

Na visão dele, os bancos europeus estão mais suscetíveis a um contágio, mas o banco central da suíça tomou ações fortes para ajudar o Credit Suisse e o Banco Central Europeu (BCE) também ressaltou a solidez e a liquidez do sistema financeiro do bloco. “As autoridades americanas fizeram o que tinham de fazer, garantiram todos os depósitos mesmo, para evitar um risco sistêmico”, aponta, diminuindo a relevância do chamado “risco moral” – de o salvamento levar outras instituições a adotar comportamentos imprudentes, já que contariam com o suporte do governo.

Sobre a possibilidade de uma parada forte e repentina no mercado de crédito brasileiro, que mesmo antes do SVB já era assolado pelos juros altos e o caso Americanas, Meirelles também não vê grandes chances de uma crise. “Óbvio que existe um cuidado maior dos bancos na concessão, uma análise mais profunda dos balanços das companhias, mas não se configura um ‘credit crunch’. O problema da Americanas, apesar de importante, é algo específico da companhia, no máximo afeta outras grandes varejistas.”

Meirelles também não acha que o caso SVB possa servir de justificativa para que o BC brasileiro comece a sinalizar o início de um ciclo de afrouxamento monetário. Segundo ele, a autoridade monetária tem de analisar a situação interna do País. “O BC não pode agir por ‘ouvi falar’. Ele tem seus modelos, que priorizam a inflação no Brasil, ele mede todos os índices de liquidez dos bancos, tem os dados necessários para tomar uma decisão baseada em fatos.”

Criador do teto de gastos, Meirelles diz que, mesmo sendo descumprido de diversas formas nos últimos anos, em função das despesas para combater a pandemia, ele levou à reforma da Previdência e barrou uma gastança ainda maior, que sem esse limite poderia ser feita por simples lei ordinária ou mesmo atos do Executivo. “O teto foi um sucesso. O governo decidiu substituir por outra âncora fiscal, mas não podemos nos perder em nomes, pode ser ‘teto’, ‘âncora’, ‘parede’. O importante é ver qual será a proposta efetiva do governo.”

Ele admite que existem alas da administração Lula que são mais favoráveis à expansão das despesas, mas aponta que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem procurado dar sinalizações de que vai cuidar da questão fiscal com responsabilidade. Questionado sobre as discussões em relação ao novo projeto fiscal, Meirelles diz que prefere não especular e vai aguardar a divulgação do plano.

Link da publicação: https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/03/17/nao-prevejo-uma-crise-bancaria-nem-credit-crunch-no-brasil-diz-meirelles.ghtml

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