Empresário pede pressa e propõe mudança na maneira de pensar o desenvolvimento regional
Valor
O empresário Pedro Passos, um dos acionistas da empresa de beleza Natura, vê urgência na aprovação da reforma tributária em discussão no Congresso e acredita que um sistema simplificado e menos agressivo deverá estimular o crescimento do país. Para ele, é preciso enfrentar as barreiras setoriais e pensar no desenvolvimento regional de outra forma.
“A gente tem um caos tributário que só vem piorando a cada ano que passa. O sistema atual está totalmente disfuncional”, diz Passos. O empresário entende que a pauta sobre a reforma é ampla. “É preciso separar as discussões da reforma do imposto sobre consumo e a do Imposto de Renda”, argumenta.
Para ele, o governo Luiz Inácio Lula da Silva tem a grande oportunidade de colocar o tema em debate e conseguir aprovação no Congresso. “Espero que haja capital político para reforma do consumo, que está mais madura.” À frente das discussões, o ministro da Economia, Fernando Haddad (PT), espera colocar a reforma em votação entre julho e julho. “Vejo uma predisposição do Congresso. Os Estados apoiam, em sua maior parte, há algumas resistências de municípios, mas parece que tem um consenso razoável.”
Para Passos, é preciso conseguir fazer uma reforma moderna, e o governo tem sinalizado o tema como prioridade. Segundo ele, vai ser um grande avanço se o país conseguir aprovar a simplificação dos tributos, atualizando práticas comuns em centenas de países e que usam a estrutura do imposto sobre valor adicionado, consolidando o consumo num único imposto. “É assim que os países têm feito. É uma simplificação muito importante. Hoje no Brasil tem uma fragmentação de impostos – IPI, ICMS, PIS/Cofins – com bases de incidências diferentes, que gera uma profunda confusão, inclusive de alíquotas.”
Passos reforça que o valor do contencioso tributário é da ordem de 75% do PIB. “É um valor muito alto, que mostra que tem alguma coisa errada. Essa insegurança jurídica trava os investimentos no país.”
O empresário é favorável à PEC 45, mas acredita que tanto ela como a PEC 110 podem contribuir para reduzir o caos tributário do país. As PECs 45 e 110 propõem que ICMS, PIS/Cofins e Imposto Sobre Serviços (ISS) sejam substituídos por um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A principal diferença é que a PEC 45 propõe um IBS único, ou Imposto sobre Valor Agregado (IVA), para governos federal, estaduais e municipais. Já a 110 sugere um IVA dual, um para a União e outro para Estados e municípios. Há também diferenças menores, ligadas a benefícios fiscais e intervalo de transição do modelo atual para o novo.
“A gente evitaria uma série de problemas que tem hoje, inclusive o custo para pagar o imposto. O Brasil é um dos países mais caros do mundo. Tem de partir para o IVA, tem de partir para a simplificação de impostos e unificação das alíquotas, que mexe com o interesse de setores. [Esse último] é um tema importante que a gente precisa discutir”, diz o empresário.
Outro ponto importante da reforma é o princípio de recolhimento no destino, segundo o empresário. “Em vez de ser no Estado de origem, seria no Estado que compra a mercadoria, bem ou serviço. Acho que essa unificação no destino evita uma série de problema de guerra fiscal, que hoje está presente. Com isso, a gente aumenta a transparência, melhora as questões federativas e complexidade devido ao número de impostos e diferentes alíquotas. A base tributária é muito complexa e produz distorções alocativas. Uma empresa que vende o mesmo produtos por canais diferentes paga impostos diferentes.”
O empresário diz que há um consenso do setor privado de que a reforma tributária vai estimular maior crescimento do país. Passos defende e acompanha mais de perto a PEC 45, que foi elaborada pelo atual secretário especial para a Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. “Unifica os impostos, não gera cumulatividade, não onera os investimentos. Tudo que você compra credita, tudo que sai do estabelecimento, você debita, seja serviços, seja bens. Não incide sobre exportações, importações. A PEC 45 me parece bastante positiva. Mas a PEC 110 também vai nessa direção, mas com algumas diferenças.”
Um dos fundadores da Natura, com unidades em vários países, o empresário diz que o Brasil tem o regime tributário mais complexo. “Estou há 40 anos na Natura. Não existe nenhum país parecido com essa complexidade tributária, mesmo na América Latina. O custo tributário e o contencioso são muito grandes”, diz.
Passos prevê que as discussões da reforma enfrentarão resistências de alguns setores, mas que há um consenso de que a mudança do sistema tributário é necessária. “O setor agrícola paga muito menos impostos que outros. A indústria é mais onerada hoje, representa 10% do PIB e representa 20% da arrecadação dos impostos. Obviamente essa mudança vai ter uma readequação entre setores e, sem dúvida nenhuma, há de se estabelecer um regime de transição para que se possa evoluir. E isso é previsto no projeto.”
De acordo com Passos, é preciso enfrentar essa agenda, uma vez que o mundo todo adota alíquota uniforme para os setores da economia. “O benefício será para todos os setores e vai tirar uma trava importante dos investimentos e desenvolvimento do país.”
Pelas regras atuais, segundo ele, a população mais pobre consome mais bens do que serviço e proporcionalmente paga mais imposto que os ricos, que consomem mais serviço. “É importante equalizar alíquotas intersetoriais. Não há motivos para tantos puxadinhos de regimes especiais”, afirma.
O sistema atual provoca insegurança jurídica para investimentos. “Seria um grande passo do governo se ele usar seu poder político para poder fazer essa coordenação para aprovar a reforma. Os projetos estão maduros, existe um consenso entre os Estados, ainda há umas dúvidas federativas, resistências de parte dos municípios, vamos passar por barreiras setoriais e teremos de pensar o desenvolvimento regional de outra forma, mas vamos evoluir”, afirma o empresário.
Para ele, é preciso rediscutir os incentivos fiscais. “Não é possível que a Zona Franca de Manaus, por exemplo, impeça uma reforma tributária. Temos de ver que o tratamento diferenciado que podemos dar para toda a Amazônia. Até redesenhando, talvez, a forma como a gente encara a Zona Franca de Manaus, seu escopo e objetivo.”
Ele defende incentivos regionais para diminuir as diferenças do país. “Não há dúvidas que é preciso. Porém, o mecanismo tem de ser outro. O atual é impeditivo. Na Zona Franca, por exemplo, está muito baseado no IPI. É um imposto velho, que para no meio da cadeia produtiva. Portanto é cumulativo. Então, precisamos acabar com isso.”
Uma outra questão que deve ser discutida em um segundo momento é a reforma do Imposto de Renda. “Precisamos melhorar a progressividade do IR. Quando você compara com outros países, o Brasil arrecada proporcionalmente mais na área de consumo e menos na área no IR, que é um imposto direto mais justo porque quem recebe mais deveria pagar mais. Mas há distorções, com rico pagando menos que o assalariado, várias exceções, lucro presumido, incentivo para dedução de escola, medicina da classe média, enquanto o pobre vai para o Sistema Único de Saúde (SUS).”
Passos também defende tributação sobre dividendos, mas pondera que seria preciso baixar a alíquota total sobre as empresas, que, em média, é de 34% no Brasil, enquanto a média mundial é de 20%. “Sou totalmente favorável à tributação de dividendos como condicionante de que o tributo corporativo caia.”
O ideal é que o governo tenha capital político para fazer as reformas sobre consumo e Imposto de Renda, além do regime fiscal. “Tem de usar o capital político agora porque é difícil fazer reformas nos últimos dois anos de governo. Mas vai depende da popularidade de governo e de articulação no Congresso.”
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Veja a entrevista em vídeo: http://valor.globo.com/videos/?video_id=11453720
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