Folha
Na semana passada, houve otimismo no mercado. O real fechou abaixo de R$ 5 por dólar.
Há motivos domésticos para o otimismo —aparentemente Lula apoia a agenda do ministro Haddad—, mas também houve boas notícias na inflação americana.
A melhora na inflação americana sinaliza que os juros por lá serão menores e, consequentemente, a moeda americana, antecipando juros menores ao longo do tempo, já se desvaloriza diante das demais moedas. Isto é, parte do fortalecimento do real deveu-se a um movimento global.
O dado que mais chamou a atenção foi a fortíssima redução na inflação de serviços quando se excluem os aluguéis. Desde a reunião de dezembro passado, o presidente do banco central americano, Jerome Powell, tem enfatizado esse componente da inflação por ser o item menos sujeito a choques e mais sensível ao excesso (ou carência) de demanda sobre a oferta.
Os serviços excluindo aluguéis reduziram-se de 6,1% em fevereiro para 5,1% em março. Para a inflação dos últimos três meses, já considerando a taxa anualizada, a queda foi de 5,3% em fevereiro para 2,7% em março.
Há duas visões quanto ao processo de desinflação. Na primeira, a inércia inflacionária requererá alguma dor para ser quebrada.
A conta de bolso é a seguinte. A inflação americana, após a reversão dos choques, estabilizar-se-á em 4,5%, aproximadamente. É necessário trazê-la para 2,5%, isto é, uma desinflação de dois pontos percentuais. A experiência histórica do pós-Guerra indica que, para reduzir a inflação em dois pontos percentuais, será necessário elevar a taxa de desemprego em dois pontos percentuais, de 3,4% para 5,4%.
Por sua vez, a elevação da taxa de desemprego em dois pontos percentuais requer que, ao longo de um intervalo de tempo, o crescimento acumulado da economia seja quatro pontos percentuais abaixo do crescimento potencial, que é da ordem de 0,5% por trimestre.
Para produzir uma desaceleração da economia americana forte o suficiente para que o desemprego se eleve em dois pontos percentuais, é necessário que o juro real seja da ordem de 2% por um ano, aproximadamente.
A segunda visão quanto ao processo de desinflação alega que as expectativas fortemente ancoradas para
intervalos mais longos de tempo garantem que, se não houver percepção de descontrole na dívida pública, a inflação cairá de forma indolor. As pessoas remarcarão seus preços de acordo com a inflação futura, percebida como sob controle, e, portanto, a inflação corrente cairá naturalmente.
Em qual dos dois mundos nós estamos? Não sabemos. A grande dificuldade é que, na última vez em que a inflação saiu do controle, nos anos 1970, as expectativas também saíram. Nunca vivenciamos uma situação em que a inflação estivesse fora de controle, mas com expectativas de longo prazo ancoradas.
A ancoragem das expectativas deriva do fato de, desde os anos 1990, os bancos centrais terem aprendido a lidar com o processo inflacionário em um regime de moeda sem lastro. O regime de metas de inflação constitui essa nova governança que gerou a estabilidade de preços. E, com ela, veio a confiança no regime monetário e, portanto, a ancoragem das expectativas.
Aposto na primeira visão. A queda da inflação requererá alguma dor. Mas posso estar errado. E a leitura muito benigna da inflação de serviços excluindo aluguéis de março vai na direção de queda indolor da inflação.
Minha visão pode ser somente trauma de um economista sexagenário muito influenciado pelos nossos problemas inflacionários dos anos 1980 e 1990. A ver.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2023/04/o-debate-da-desinflacao.shtml
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