Folha
Marcos Lisboa, Marcos Mendes e diversos colaboradores divulgaram na semana passada o trabalho “O algoritmo do gasto: o impacto das despesas obrigatórias no arcabouço fiscal” (bit.ly/3LCcI6e), com uma análise cuidadosa do novo regime fiscal bem como simulações da evolução da dívida pública para seis cenários distintos.
O cenário otimista contempla congelamento do valor real do salário mínimo e dos servidores públicos federais, ambos a partir de 2024. Adicionalmente, considera que os gastos com saúde e educação excluindo o Fundeb —que está fora do teto— crescem na mesma velocidade do gasto público, não sendo, portanto, vinculados à receita.
A simulação supõe cenário positivo para a receita. Em 2023, repete-se o bom desempenho de 2022, quando a receita líquida da União foi de 18,7% do PIB. Adicionalmente, a receita líquida cresce continuamente e chega a 19,8% do PIB em 2026.
Essas hipóteses otimistas, que geram aumento da dívida de dez pontos percentuais do PIB até 2026, são suficientes para que as metas de superávit primário para o quadriênio de Lula 3 sejam atingidas no limite inferior do intervalo da banda.
A maior contribuição do trabalho, entretanto, é mostrar a inconsistência do novo arcabouço fiscal. Nas demais simulações, os autores consideram que a regra de crescimento dos gastos com saúde e educação (excluindo Fundeb) são vinculadas à receita, como a atual legislação estabelece. Nesses outros cenários, o gasto com saúde e educação cresce mais do que o total das despesas e comprime os demais gastos.
A fonte da inconsistência é que a regra fiscal proposta pelo ministro Haddad é de fato um teto dos gastos. Diferente do teto estabelecido no governo Temer, mas um teto dos gastos.
No fim do ano passado, quando o então presidente eleito Lula negociou no Congresso o fim do teto dos gastos, cometeu-se o erro de revogar todos os artigos do regime fiscal de Temer.
O problema é que aquele regime fiscal tinha dois dispositivos importantes. Primeiro, o limite para o crescimento do gasto, o próprio teto dos gastos. Segundo, uma readequação dos critérios de crescimento dos gastos com saúde e educação à nova lógica do gasto total. Ao revogar o teto do gasto de Temer, no bojo da aprovação da emenda constitucional da transição, jogamos fora ambos: o teto e a readequação do crescimento dos gastos em saúde e educação.
Com relação à regra fiscal, não há grandes problemas, pois a emenda constitucional da transição estabeleceu que a regra será criada por meio de uma lei complementar. É a lei que o ministro Haddad enviou ao Congresso. No então, a readequação dos critérios de orçamentação do gasto com saúde e educação continua a ser matéria constitucional.
Para que o novo regime fiscal funcione, o governo terá que aprovar um projeto de emenda constitucional. Esse fato ficou claro com as simulações no trabalho do Insper.
***
Há algumas semanas, a OCDE divulgou os dados do crescimento para 47 países até o quarto trimestre de 2022. O Brasil encontra-se na amostra. É possível, portanto, comparar o desempenho da atividade econômica no Brasil entre o 4º trimestre de 2019 e o 4º trimestre de 2022, isto é, ao longo da epidemia. O Brasil foi o 27º.
No entanto, antes da epidemia, cada país apresentava uma tendência própria de crescimento. Outro exercício possível, portanto, é comparar o desempenho do Brasil, em excesso à tendência de crescimento anterior do país, com o desempenho de cada país em excesso à sua respectiva tendência anterior. Nessa comparação, nosso desempenho foi bastante bom: somente 12 países foram melhores que o Brasil.
O estudo em coautoria com Mariam Dayoub, bem com o Excel com os dados e os gráficos, estão no Blog do Ibre (bit.ly/44c4rgs).
Link da publicação: A regra fiscal e o Brasil na pandemia – 30/04/2023 – Samuel Pessôa – Folha (uol.com.br)
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.