Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre-FGV, projeta inflação em torno de 5% e aponta para desaceleração econômica e leve aumento do desemprego em 2023
CNN Brasil
Os últimos índices de inflação trouxeram ânimo para o mercado: vieram abaixo da média das expectativas de muitos economistas. O IGP-M, conhecido como “inflação do aluguel”, por exemplo, caiu 0,95% em abril e está negativa em 0,75% no ano.
A prévia do IPCA – o IPCA-15 – divulgada pelo IBGE, desacelerou para 0,57% em abril. Em 12 meses chegou ao menor número desde 2020: 4,16%.
Em semana de decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), os índices em queda podem parecer um alívio e trazer esperança para quem aguarda a volta da queda da taxa de juros, que está em 13,75% desde setembro do ano passado. Mas não é bem assim, segundo o economista Samuel Pessoa, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e chefe da pesquisa econômica do JBFO.
“Nas minhas contas, a inflação deve se estabilizar em torno de 5%, bem acima da meta. E nessa toada ainda há o risco de voltar a crescer bem lentamente. É por isso que não espero que o Banco Central corte a taxa de juros antes do segundo semestre”, avalia Pessôa.
“Com o aperto monetário, acho que a economia ao longo do ano deve mostrar sinais de desaceleração. A taxa de desemprego deve subir um pouquinho. Acredito que na reunião de junho o Conselho Monetário Nacional deve subir a meta do ano que vem de 3% para 4%. E então, entre agosto e setembro haverá espaço para a taxa de juros finalmente cair”, afirma.
Para conseguir acompanhar a tendência dos preços na economia, o Banco Central olha para os chamados núcleos de inflação, que indicam a persistência do aumento de preço, diz Pessôa. “Gosto de olhar o que aconteceu com esses núcleos no último trimestre anualizado porque mostra de maneira mais fiel à tendência do aumento de preços”.
A inflação que aconteceu por causa dos choques de oferta já está se revertendo, avalia o economista. Bens de consumo durável, alimentos, tudo tem caído de preço. Por isso que a inflação, que chamamos de inflação cheia, está caindo. “O que tá acontecendo é que a inflação cai, mas a composição da inflação piora. Por quê? Porque essa inflação que nós chamamos de inflação cheia cai, mas serviços não”, explica o economista.
A inflação realmente caiu, mas desde o novembro do ano passado ela voltou a disparar por causa de serviços. Considerando o dia 15 de abril, quando o IBGE divulgou a última prévia do IPCA, a média desses núcleos de inflação está 6,5% comparada a abril do ano passado.
Ou seja, bem acima da inflação “cheia”. Outro fator de pressão sobre ela é o mercado de trabalho. Tirando os efeitos sazonais, a taxa de desemprego no país está em 8,3%. O desemprego estrutural no Brasil é alto, é em torno de 9%. Ou seja, estamos aquém do pleno emprego.
Por isso que a inflação não deve continuar caindo nesse ritmo. Mas as pessoas dizem: a inflação já caiu muito. Sim, ela caiu porque os choques de oferta sobre os quais falamos no início se reverteram. “Agora não haverá mais isso.”
O economista lembra que a escalada teve início lá em 2019, quando começaram os choques de oferta, intensificados por conta da pandemia a partir de 2020. “No mundo só passamos por um período tão extenso, com tantos choques de oferta, há cinquenta anos, lá na crise do petróleo na década de 1970”, diz.
“A peste suína na China acabou com 60% do rebanho no país em 2019. Para compensar, a China elevou as importações de carne, e isso fez o preço disparar. E o Brasil é um importante exportador para o país asiático. Com menos carne aqui, todo brasileiro sentiu essa alta de preços”, explica o economista.
Em 2019, o aumento do preço da carne foi o principal responsável pelo aumento da inflação. Já em 2021, a mudança climática pesou no bolso do consumidor. A seca que atingiu o país provocou a maior crise hídrica desde 1930, elevando – e muito – o preço da energia elétrica.
“Simultaneamente, no fim de 2020 e em 2021, a economia mundial voltou a crescer e em ritmo forte. Mas ainda havia muita gente quarentenada em casa. Houve maior demanda por notebooks por causa das aulas remotas, do trabalho remoto. Várias pessoas decidiram trocar o celular a TV… Isso provocou um desequilíbrio na oferta, especialmente dos semicondutores. Esse problema foi universal”, ressalta o economista.
Enquanto o mundo ainda enfrentava os gargalos de produção, veio a guerra entre Rússia e Ucrânia, que elevou o preço do petróleo e do gás natural. Também aumentou o custo do fertilizante, atingindo o agronegócio. Outra consequência: como Rússia e Ucrânia estão entre as grandes produtoras de trigo e milho do mundo, o preço do produto também subiu.
O economista explica que esses sucessivos choques geram inflação. Ele lembra, ainda, que os auxílios que os governos do mundo todo deram para a população que passava por uma situação social vulnerável pesaram sobre as contas públicas. Mas isso trouxe também uma demanda maior porque, bem ou mal, as pessoas estavam com dinheiro. Ou seja, na saída da pandemia a economia cresceu.
É quando começa um tipo diferente de inflação, já não mais causada pelos choques de oferta. Apareceu agora uma inflação que é o resultado de excesso de demanda. De uma taxa de desemprego baixa.
“Para você ter uma ideia, a massa salarial real em março deste ano cresceu 10,8% em relação a março do ano passado. Aí tem o que a gente chama de condição cíclica da economia”, explica Pessoa. Como o mundo voltou forte e o desemprego caiu, a inflação subiu. “Mas não por causa dos choques de oferta que a gente viu no passado e sim por conta do excesso de demanda”, completa o economista.
Segundo ele, um dos componentes que melhor refletem esse tipo de inflação – que é mais persistente – são os serviços. “Serviço, por exemplo, não depende de câmbio, não diminui ou aumenta por causa de seca, de problemas externos como a guerra. Ou seja, serviços não sentem choques de oferta que são temporários. Serviço é essencialmente mão de obra”.
Então, os itens ligados aos serviços eles expressam melhor a componente de demanda da inflação. Por exemplo, entretenimento, a parte de alimentação fora do domicílio, dentista, toda a parte de turismo menos transporte, hotelaria por exemplo, serviços pessoais como manicure, corte de cabelo, emprego domestico, serviços financeiros, saúde particular, educação particular. Nada disso muda quando há choques de oferta, quando o câmbio oscila ou quando existe.
Então a inflação de serviços dá uma ideia de quão forte o excesso de demanda está sobre a oferta. E é essa inflação, a de demanda, que o Banco Central quer segurar com a taxa de juros.
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