Folha
É comum pessoas que criticam a política monetária do Banco Central argumentarem que a inflação na economia mundial, hoje, é fruto de uma série de choques de oferta e que não se combate esse tipo de inflação com elevação da taxa de juros.
A argumentação tem dois erros. O primeiro factual: a inflação atual não deriva de choques de oferta. Ela está sendo causada por excesso da demanda sobre a oferta.
É fato que o início do processo inflacionário, há dois anos, deveu-se a uma sequência incrível de choques de oferta. Tivemos: gripe suína africana que dizimou o rebanho suíno chinês no segundo semestre de 2019; recuperação em ‘V’ da economia mundial a partir do segundo semestre de 2020, que criou gargalos em todas as cadeias globais de valor; choques climáticos no Brasil em 2021 e na Argentina em 2022, afetando profundamente as safras 2021/2022 e 2022/2023; e guerra na Ucrânia em 2022, que encareceu os alimentos.
Mas os choques de oferta estão ficando para trás. A inflação de bens industriais no Brasil, segundo a prévia da inflação de abril, o IPCA-15 de abril, rodou nos primeiros quatro meses do ano em 1,8%. No mesmo período do ano passado, a inflação para bens industriais foi de 4,8%. Para alimentos, tivemos 0,9% para os primeiros quatro meses de 2023, ante 8,3% para o mesmo período de 2022. Há claríssima reversão dos choques de oferta. E é essa reversão que explica a queda da inflação em 12 meses do zênite de 12,2% em maio de 2022 para 4,2% de abril.
O problema é que a queda da inflação cheia foi acompanhada por elevação da inflação de serviços. Em abril, a inflação de serviços em 12 meses rodou a 7,6%. Para o mesmo período do ano passado, serviços fecharam a 6,7%, quase 1 ponto percentual abaixo! Ou seja, a inflação de serviços tem se elevado.
No FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), acompanhamos um núcleo de serviços que retira passagens aéreas, por serem muito voláteis; alimentação fora do domicílio, por acompanhar a inflação de alimentos de perto; e itens de serviços, cuja formação do preço é muito ligada à política de salário mínimo.
Este núcleo dos serviços fechou abril, no acumulado de 12 meses, em 6,8%, uma leve queda ante os 7,2% observados para o mesmo período do ano passado. Para os primeiros quatro meses do ano, esse item fechou em 3,3%, também apresentando leve queda frente aos 3,9% apresentados nos primeiros quatro meses de 2022. A inflação é de demanda.
O segundo erro no enunciado do primeiro parágrafo desta coluna é a ideia de que não se combate inflação causada por choque de oferta com elevação da taxa de juros.
Se o choque de oferta elevar a inflação e as expectativas de inflação, o juro nominal precisa subir para que o juro real fique constante. Adicionalmente, se o choque for muito persistente e se a situação anterior era de equilíbrio entre oferta e demanda a pleno emprego, será necessário reduzir a demanda. O instrumento é a taxa de juros.
Pela última PNADC, a massa salarial real de março de 2023 subiu acima de 10%. A taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2023 fechou a 8,1% (já considerando o ajuste pela sazonalidade da série), menor do que a taxa natural de desemprego.
O início de um ciclo de corte de juros requererá sinais de que a dinâmica da inflação dos serviços virou.
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Semana passada tratei de algumas inconsistências do novo arcabouço fiscal que podem ser tratadas pelo Congresso Nacional. A carta do Ibre de março elabora em mais detalhes esses temas.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2023/05/inflacao-de-demanda.shtml
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