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Faroeste urbano

O pedestre corre o risco de ser atropelado na faixa do cruzamento por carros e motos que avançam sinais

Globo

Peço desculpas antecipadas ao leitor pela minha rabugice. Pensei em escrever um artigo bem-humorado, atualizando o clássico de Adriana Calcanhotto: os cariocas não gostam de sinal vermelho, não gostam de pagar estacionamento, de respeitar faixa de pedestre, nem o pedestre. Mas, diante do caos no trânsito que se instalou por aqui, não dá para fazer graça.

Pode parecer algo superficial diante das balas perdidas e de outras desgraças que afligem o carioca, mas é algo sério porque, a pé ou ao volante, o risco de uma tragédia é enorme. É matar ou morrer.

O pedestre corre o risco de ser atropelado na faixa do cruzamento, por carros e motos que avançam sinais, ou pelos motoqueiros e ciclistas nas calçadas e na contramão. Pedestre em calçadas que se vire. Nas ciclovias ou nas ruas fechadas aos domingos, não há espaço para crianças, pedestres ou lazer. Não há limite para velocidade nem para incivilidade. Tudo virou campo minado. Tanto faz se na bicicleta, elétrica ou não, está alguém trabalhando ou apenas passeando. Não vale colocar tudo nas costas dos entregadores, como querem muitos.

Outro dia salvei uma senhora bem idosa ao segurá-la pelo colarinho. Ia atravessar na faixa, sinal verde para pedestres, quando um adolescente passou a mil na contramão. Demos um grito! E ele? Pediu desculpas? Que nada. Mandou um $%#@@##, seguido de “olha por onda anda, sua velha”. Detalhe: usava o uniforme de um colégio de classe alta do Leblon.

Como motorista, meu receio não é minha integridade física, mas a dos outros, em especial de crianças. Não sei quem meteu na cabeça de pais e mães que andar de bicicleta na contramão é mais seguro. Não é raro fazer uma curva e dar de cara com crianças na cadeirinha, sem capacetes. E se você fizer a gentileza de explicar o risco que isso significa, pode levar uma bronca.

— O filho é meu, eu decido.

Para os motoqueiros, não existe mais sinal vermelho, e é comum ver entregadores dirigindo pelo meio dos carros com o celular na mão sem ligar para o trânsito. Ainda que sem culpa alguma, o motorista corre o risco de carregar a imagem, o remorso e o horror de um atropelamento para o resto da vida, sem falar na possibilidade de uma acusação de homicídio culposo.

Some-se a isso a fila dupla! Estacionamento do carioca é um pisca-alerta. Se você entrar na faixa exclusiva, é multado, mas o ponto de táxi clandestino não. Nem o caminhão que descarrega na hora do rush na porta do supermercado. Muito menos o carro-forte que fica na boa, enquanto seus ocupantes saem de arma em punho em plena luz do dia, cheio de pedestres em volta, mais preocupados com a bicicleta elétrica, em via de passar por cima deles, do que com a possibilidade de levar um tiro.

Não se trata apenas de uma questão de educação. Não há punição nem mesmo advertência, porque o poder público está ausente para inibir a selvageria. Não se vê um guarda municipal pelas ruas. É cada um por si e uma tragédia anunciada.

Link da publicação: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/05/faroeste-urbano.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Elena Landau