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Jogo dos sete erros

Erros em decisão irresponsável do governo Lula para tentar desfazer capitalização da Eletrobras são de muitos aspectos

JOTA

A Advocacia-Geral da União ajuizou junto ao Supremo Tribunal Federal uma ação para tentar desfazer uma regra incluída na Lei 14.182/2021, que definiu a capitalização da Eletrobras. O objetivo seria assegurar direito da União a voto proporcional a sua participação societária.

O modelo de venda de ações limita o direito a voto de todos os acionistas a 10%, independente da participação acionária. Em consequência, mesmo tendo 43% do total, ele está limitado em seu poder de voto. Isso é exatamente o que pretende mudar com essa ADI. Bom frisar que esta limitação se aplica a qualquer acionista. Não é, como quer fazer crer o governo Lula, uma ação deliberada contra a União. Da mesma forma a poison pill, que estabelece um valor de três vezes o preço das ações em caso de compra de controle.

São regras normais para um processo de capitalização. De todo modo, não se pode negar que essas limitações ao poder do governo e à reestatização contribuíram de forma decisiva para o sucesso da operação, tanto no preço obtido, quanto na atração de investidores privados.

As regras definidas no projeto de conversão da MP 1031/2021 em lei foram incorporadas ao estatuto da empresa. Por tudo isso, é bastante questionável essa ação junto ao STF. Não se vislumbra inconstitucionalidade nem lesão ao interesse público. A União já recebeu R$ 26,6 bilhões, que foram direcionados para o resultado primário de 2022. Além disso, mais R$ 9 bilhões devem ir para fundos regionais de revitalização das áreas de atuação da empresa e outros R$ 32 bilhões para redução de tarifas através do aporte na conta CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), ao longo de 25 anos.

Não surpreenderia se o STF não conhecesse da ação por não ser competência da corte.

Os erros nesta decisão irresponsável do governo Lula são de muitos aspectos, destacando-se:

  1. Jurídico: não há inconstitucionalidade na lei. O apelo ao princípio da proporcionalidade, tentando elevar o número de conselheiros representantes da União para quatro, que seria o correspondente à participação acionária, se aplica a qualquer acionista e é feito em benefício da pulverização do capital. À época da definição do modelo de venda, essa limitação foi bem recebida por todos que temiam o conluio de grupos estrangeiros para controlar a Eletrobras;
  2. Político: confronto com o Legislativo em ação que não deve prosperar. A regra veio na MP 1031/2021, foi discutida por comissão parlamentar, incluída em projeto de conversão em trâmite aberto e transparente, com a participação de parlamentares de partidos da então oposição, que hoje são base do governo;
  3. Insegurança jurídica: junto com os decretos que buscavam alterar o Marco do Saneamento, a ação da AGU reforça a sensação de que contratos – atos jurídicos perfeitos – não são respeitados no país, afastando o capital privado. Bom lembrar que após a capitalização a Eletrobras retomou investimentos, estando projetado cerca de R$ 12 bilhões anuais em investimentos. Neste sentido, seria bastante positivo se a Suprema Corte devolvesse a ação, assegurando a garantia de regras no país;
  4. Destruição de patrimônio público: a companhia levou anos em uma reestruturação financeira para afastar a situação quase falimentar herdada pelo governo Temer. Em 2016, a alavancagem era de quase 8 vezes e, hoje, a relação dívida/caixa é cerca de 2. O valor da empresa era de apenas R$ 10 bilhões. Após a capitalização chegou a valer dez vezes mais. Mas desde o início do atual governo as ações ordinárias já se desvalorizaram em 20% e a destruição de valor se agravará com a continuidade da ação. Some-se a isso a provável necessidade de ressarcimento aos investidores que compraram ações em boa-fé, entre eles 370 mil trabalhadores que usaram FGTS na oferta pública;
  5. Perda de valor futuro: houve decisão deliberada de guardar grande parte das ações para venda futura em uma oferta secundária. Após a privatização, em geral, as ações têm forte valorização com a troca de controle. Quando isso ocorre, a União faz uma nova oferta de ações, arrecadando valores expressivos. A anulação das regras da capitalização vai gerar perda ao Tesouro, ou porque a oferta secundária não ocorrerá, ou porque não terá havido valorização da participação da União. Em um momento em que o governo busca recursos para ajudar no atingimento da meta de primário do novo arcabouço fiscal, é bem contraditório rasgar recursos públicos que estão disponíveis e bem mais fáceis de obter que mudanças em isenções tributárias e regras sobre impostos no varejo. Nada do que foi arrecadado na capitalização foi utilizado para abatimento de dívida, o que indica que o valor de uma oferta secundária deve seguir o mesmo caminho;
  6. Inefetividade da ação: mesmo que consiga mudar seu poder de voto ou escolher maior número de conselheiros (após a pulverização do capital a União não tem mais assento cativo, como no passado), o governo não terá maioria, apenas criará divergências e conflito no conselho sem efetividade na implementação de políticas que considera estratégica.
  7. Impacto tarifário: Não há impacto positivo garantido sobre tarifas, ao contrário, parte dos recursos obtidos com a capitalização está direcionado à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que carrega dezenas de bilhões anuais, desde a desastrosa intervenção do governo na Eletrobras com a MP 579. A Eletrobras opera em segmento competitivo não regulado, não há razão para imaginar que o aumento do número de conselheiros pode reduzir tarifas ou influenciar na qualidade do serviço, como alega o governo. Vale lembrar que na atividade regulada em que atua – transmissão de energia – foram exatamente os erros ocorridos durante a administração estatal no governo PT que subsidiárias, como a CHESF, ficaram impedidas pela órgão regulador de participar em novos leilões. Para a redução de tarifas, a opção seria um projeto de lei revogando a exigência de construção de térmicas em locais sem oferta de gás, os famosos jabutis incluídos na lei. A ADI não trata disso e não trará benefícios para o consumidor.

Em resumo, não há nada que justifique essa ação irresponsável do governo, a não ser o desejo de agradar sua base de apoio, mesmo sabendo que as consequências serão negativas para empresa e para a sociedade brasileira.

Link da publicação: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/jogo-dos-sete-erros-09052023

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Elena Landau