Entrevistas

Economia não precisa de novos estímulos, diz Mesquita

Economista-chefe do Itaú estima que projeções para PIB devem subir para faixa de 2% a 3%

Valor

A economia brasileira não parece precisar de estímulo extra no momento, o que coloca em dúvida o sentido de medidas como a isenção tributária para veículos, na avaliação do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita. Após a surpresa com a alta de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) do país no primeiro trimestre, ele estima que as projeções para o ano devem migrar para um intervalo entre 2% e 3%.

“Foi um PIB bom, gerando uma expectativa favorável para o ano, mas sem sinais de pressão adicional de demanda”, afirma Mesquita, ao destacar que a evolução do consumo das famílias e dos investimentos não tem sido de aceleração. “É uma composição de PIB que não deve gerar muita preocupação para o Banco Central”, observa.

É uma composição de PIB que não deve gerar muita preocupação para o Banco Central”

Isso não significa, automaticamente, que haja espaço para a autoridade monetária antecipar o ciclo de redução da Selic, que, no cenário do Itaú, deve ter início no fim do ano. “Vai depender do comportamento da inflação e das expectativas. Expectativas, por sua vez, dependem de vários fatores, como definição da própria meta de inflação. Mas a atividade econômica, por ora, não parece que está pedindo antecipação.”

Valor: Qual avaliação faz do resultado do PIB no primeiro trimestre?

Mario Mesquita: O número do primeiro trimestre, de fato, foi muito influenciado pela questão da safra. Estávamos otimistas com o PIB agro e veio ainda melhor. Do lado da demanda, chama atenção que continua uma certa desaceleração do consumo. Isso é uma composição de PIB que não deve gerar muita preocupação para o Banco Central. Apesar de ter sido um PIB forte, não é um PIB que evidencia intensificação de pressões de demanda, o que seria complicado, dado que o BC está em pausa. Se estivéssemos vendo a demanda, a essa altura, em aceleração, a discussão sobre política monetária teria de mudar de sinal, talvez de queda para uma alta adicional. Em resumo, foi um PIB bom, gerando uma expectativa favorável para o ano, mas sem sinais de pressão adicional de demanda.

Valor: O crescimento do PIB no ano será maior?

Mesquita: Mais uma vez, o resultado do PIB surpreende para cima. Muita gente já está revendo ou vai rever para cima [a projeção de 2023]. A gente já estava com 1,4% e é possível que tenhamos de rever para cima. No fim do ano passado, pensava-se em um PIB entre 0,5% e 1%; ao longo do primeiro trimestre foi mudando para 1% a 1,5%; agora, deve ir para algo entre 2% e 3%. Vamos fechar 2023 com um crescimento bem melhor do que se esperava no fim do ano passado. O carrego estatístico – ou seja, o quanto o PIB do ano cresceria se tivesse crescimento zero no segundo, terceiro e quarto trimestres – está um pouco acima de 2%. Dado esse ponto de partida, é razoável que a gente tenha revisões positivas, ainda mais se a visão sobre o resto do ano ficar também um pouco mais favorável.

Valor: Alterações na projeção de PIB de 2023 geram implicações para 2024?

Mesquita: Se a gente tiver a trajetória trimestral no carrego e, depois, PIB zerado, a projeção é um carrego levemente positivo. A princípio, não vamos mudar o PIB de 2024 devido a esse número. Vamos mudar 2023. Se tiver mudança para 2024, será limitada.

Valor: Quais as relações entre o PIB mais forte neste início de ano e o mercado de trabalho?

Mesquita: Tivemos outra surpresa baixista na taxa de desemprego e também tivemos, em relação à nossa projeção, uma surpresa positiva com o Caged. Então, o mercado de trabalho tinha enfraquecido um pouco, mas dá sinais de vigor. Isso, de certa maneira, deve refletir efeitos da reforma trabalhista aprovada alguns anos atrás. Com isso, o mercado de trabalho segue aquecido e as revisões do desemprego devem ser para baixo, significando que o mercado de trabalho deve continuar forte ao longo deste ano e que os salários não devem ser um fator de desinflação para a economia brasileira. A política monetária está tendo seu efeito. Dito isso, se a projeção para desemprego cair – e deve cair, dado os números que têm saído -, a projeção para massa salarial real melhora, o que dá mais apoio para o consumo. Essa trajetória da renda real pode ser um fator de expansão da economia mais intenso do que o que a gente estava esperando.

Valor: Diante desse cenário de atividade mais forte, há chance de antecipação do corte da Selic pelo Banco Central, como alguns agentes de mercado colocam?

Mesquita: Vai depender do comportamento da inflação e das expectativas. Expectativas, por sua vez, dependem de vários fatores, como definição da própria meta de inflação. Mas a atividade econômica, por ora, não parece que está pedindo antecipação, ou pelo menos não está pedindo com muita força, dada a resiliência do PIB e do mercado de trabalho. Pelo lado da demanda, no PIB do primeiro trimestre, houve uma contribuição grande da variação de estoques, mas tem também um atraso na comercialização da safra que deve ter impactado as exportações. Então, no segundo trimestre, pode haver uma contribuição menor dos estoques e as pessoas podem pensar que o PIB vai ser mais fraco. Até achamos que o PIB vai ser mais fraco, mas não só por isso, porque o escoamento deve se manifestar de forma mais intensa no segundo trimestre e as exportações devem melhorar, reduzindo a contribuição da acumulação de estoques. À medida que as projeções de inflação caminhem para a meta, o BC vai se sentir confortável em iniciar o movimento, mas esse conforto também virá de observar que a economia não está acelerando. Se, por alguma razão, a economia estiver reacelerando, isso pode gerar desconforto. Olhando especialmente para a evolução do consumo das famílias e dos investimentos, o movimento está em linha com o que se espera de uma economia que começou o ciclo de alta das taxas de juros há muito tempo.

Valor: Com esse cenário de exportações melhores no segundo trimestre, o câmbio mais “comportado” pode continuar?

Mesquita: Temos um câmbio depreciando um pouquinho no fim do ano, não muito distante, porque a gente espera que daqui até o fim do ano, em algum momento, a taxa de juro vai começar a cair no Brasil. E não achamos, por outro lado, que a taxa de juros vai começar a cair nos Estados Unidos neste ano. Seria uma depreciação cambial limitada.

Valor: Quais as perspectivas para a agenda econômica do governo, diante da relação com o Congresso?

Mesquita: A reforma tributária, acredito, que tem de virar prioridade número um do governo e tem de ser entendida como tal pelo Congresso para ela andar. A mídia tem reportado as reações que têm surgido. Reforma tributária é algo sobre a qual todo mundo é “a favor do Brasil” em tese, mas, quando começar a ver se o seu setor e renda serão afetados, as pessoas ficam contra. Para romper esse impasse, a reforma tributária vai precisar virar de fato a prioridade número um do governo inteiro.

Valor: O novo arcabouço fiscal já está bem encaminhado e é página virada?

Mesquita: A política fiscal do Brasil não é página virada. A gente ainda tem um desafio bastante grande. Um arcabouço é melhor do que nenhum. Ajuda, não resolve a questão das finanças públicas e do endividamento, que deve continuar crescendo, mas é um movimento na direção de diminuir riscos. O próximo passo é a discussão sobre aumento de receitas, que, de certa forma, já está acontecendo. Há algumas iniciativas que vão ajudar. Achamos que, do pacote original que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou, ele pode conseguir algo como 1% do PIB em várias medidas pontuais. Mas, do jeito que a gente espera que o gasto volte a crescer, vai precisar de mais receita, rever os gastos tributários, as desonerações – ali tem mais de 4% do PIB. Vários desses itens são politicamente muito sensíveis: Simples, Zona Franca de Manaus, entidades sem fins lucrativos… É muito difícil mexer com isso. Vai ser necessária muita articulação política para ir por esse caminho.

Valor: A ideia de isenção tributária para veículos vai no sentido contrário disso?

Mesquita: Vai no sentido contrário da consolidação fiscal. E, na medida em que você anunciou que terá esse programa, o efeito de não implementar de forma relativamente rápida é que as vendas tendem a desacelerar em um primeiro momento, porque as pessoas ficam esperando quando a redução de preços vai ocorrer. Não sou fã desse tipo de medida e não acompanho muito a lógica. Acho que a economia não está precisando de estímulo extra agora, na minha visão pessoal.

Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/06/02/economia-nao-precisa-de-novos-estimulos-diz-mesquita.ghtml

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