A aprovação da reforma tributária será fundamental para dar clareza aos investidores e aumentar a produtividade da economia
Valor
O crescimento do PIB brasileiro no primeiro trimestre de 2023 tem sido saudado como testemunho de um campo cada vez mais industrioso e de condições externas há alguns anos favoráveis. Também tem sido celebrada a ajuda da oferta de alimentos à queda da inflação. Corre mais um mês com inflação anual próxima a 4%, à qual se juntaria a inflação mensal negativa graças aos descontos nos automóveis bancados pelo governo. Nesse ambiente, o presidente do Banco Central aventou que a inflação poderia fechar 2023 em 4,5%.
A mudança na inflação já se traduz na curva de juros de mercado. Essa curva sugere a Selic caindo na segunda metade de 2023 e em 2024. Nem todo economista está confortável com essa visão do mercado. Alguns sublinham que o recente comportamento dos preços pode ser temporário, e que mesmo a perspectiva da inflação em 2024 abaixo de 3,5% seria um sinal precário. A Selic só cairia com segurança quando a pesquisa Focus captasse a inflação em 2025 em 3% e já houvesse resultados fiscais robustos.
Sem julgar o acerto da cautela de cada um ou a correlação entre inflação corrente e 12 meses à frente no Focus, vale a pena alinhar os cenários de atividade em 2024 que podem surgir, caso a trajetória de juros sugerida pela atual curva se realize, com a Selic abaixo de 12% ao final de 2023, e perto de 9% em 2024.
Cenário do PIB crescer 2,5% com inflação baixa em 2024 é compatível com a incipiente valorização dos ativos
A queda da Selic promoveria a expansão do crédito, após sua contração pelo uso dos instrumentos clássicos no enfrentamento da inflação nos últimos dois anos. Essa expansão pode se iniciar com o crédito consignado, estendendo-se para outras modalidades, ajudando a recuperar a demanda doméstica, que em 2023 deverá crescer parcos 0,5-0,7%. Nós da área de macroeconomia do Banco Safra calculamos que a recuperação da demanda doméstica em um ambiente de inflação baixa, associada a um pequeno avanço das exportações, permitiria o PIB crescer em 2024 à taxa 2,5% a.a., suficiente para ancorar o arcabouço fiscal. A aceleração da demanda doméstica também favorece a arrecadação de tributos, já que afeta setores que pagam mais impostos do que o exportador de commodities. A consolidação fiscal, por seu lado, facilitaria a convergência dos juros para a taxa neutra presumida em 4% reais.
O crédito consignado tem baixo risco de inadimplência, respondendo rápido à diferença entre a curva de juros de mercado e o teto de empréstimos como os garantidos por aposentadorias. Quando a taxa de juros de mercado no horizonte do empréstimo passa abaixo desse teto, há um “destravamento” da concessão de créditos. Os técnicos nesse mercado estimam que com a Selic próxima a 10%, boa parte do estoque desse crédito poderá ser refinanciado, liberando recursos para o tomador. Esse “troco” pode chegar a R$ 60 bilhões no ano que vem, cerca de 10% do estoque dessa modalidade, o que daria uma folga ao orçamento familiar.
Segundo meu colega Eduardo Yuki, os modelos do time macro do Banco Safra indicam que esse cenário pode levar o consumo a crescer pouco mais de 2,5% no ano que vem, supondo manutenção do nível de emprego e crescimento moderado dos salários e transferências às famílias. Bastaria combinar a expansão nominal do crédito às famílias em 7%, começando com os consignados, e a estabilização do comprometimento da renda das famílias com o serviço das suas dívidas na esteira da queda dos juros.
Os modelos macro também apontam a correlação positiva entre a confiança do empresário e a queda da taxa de juros, talvez por ela ajudar as empresas a venderem mais e terem custos menores com suas dívidas. Os modelos identificam ainda que a flutuação na confiança é geralmente acompanhada por variação no ritmo do investimento privado.
A recuperação de indicadores como a cobertura das dívidas proporcionada pelas receitas ou lucro, que segundo os especialistas de crédito se deterioraram bastante para a pequena e média empresa, poderá permitir que a formação bruta de capital cresça acima de 3% no ano que vem, em contraste com a contração que se desenha em 2023. Esse cenário pode ser empanado por maior queda dos depósitos na caderneta de poupança, que já contribui para a retração nos lançamentos de imóveis e afeta o volume de obras no ano que vem. Mas esse risco talvez possa ser contornado com ajustes prudenciais e a entrada líquida de recursos na poupança com a redução do diferencial de rendimento com a Selic.
A projeção de ampliação das exportações em 2,5%, versus 7,2% em 2023, completa o cenário. Supõe-se expansão suave no setor agrícola, alguma incerteza no minério de ferro e aderência aos anúncios de aumento da produção de petróleo entre 6% e 10% em 2024.
O cenário do PIB crescer 2,5% com inflação baixa em 2024 é compatível com a incipiente valorização dos ativos brasileiros, mas não é imune a riscos. O superaquecimento da demanda se o fiscal derrapar ou o parafiscal encorpar, ou um choque negativo na produção agrícola na Ásia ou aqui por conta do fenômeno do El Nino, seria ruim para a balança comercial, inflação e mercados de capital. Mais importante, talvez, o fôlego do crédito pode ser curto e vale sobretudo para dar tempo para se preparar um ciclo de investimentos sustentáveis.
A aprovação da reforma tributária será fundamental para dar clareza aos investidores e aumentar a produtividade da economia. Sem ela, as ambições de nearshoring podem virar quase-choro. A formação de expectativas também pede uma estratégia clara voltada a levar a economia para as emissões zero de carbono. Decisões sobre abertura comercial, geração elétrica offshore e precificação da modulação da oferta pelas hidrelétricas, saúde das distribuidoras de eletricidade, eletrificação dos veículos com auxílio dos biocombustíveis, reforço do serviço de pesquisa geológica (CPRM) e desenho de critérios ambientais e de condições de trabalho para a expandir a lavra e processamento de minérios “do futuro” ganhariam, nesse cenário, proeminência para atrair o investimento privado e estender o ciclo de crescimento para 2025-27.
Link da publicação:https://valor.globo.com/opiniao/coluna/e-quando-o-pib-sobe.ghtml
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