Governo revogou dispositivo que previa avaliação periódica da situação financeira de estatais; presença do Estado na economia deve ser exceção, e não regra
Estadão
Lula acaba de revogar dispositivo que determinava a avaliação periódica, pelo Conselho Nacional de Desestatização (CND), da sustentabilidade financeira de estatais. Servia como base para a recomendação de inclusão no programa de privatização (PND). Dada sua posição contra a desestatização, surpreende não ter acabado logo com o conselho.
Esse retrocesso se soma à retirada de várias estatais, muitas inviáveis, do PND. Com a evolução tecnológica, atividades hoje sob administração estatal correm o risco de extinção, como Correios, ou de obsolescência frente às exigências de um governo digital, como Dataprev. Outras sem qualquer razão de existir também ganharam sobrevida, como PPSA e Telebras.
Pior ainda foi a decisão de ressuscitar a Ceitec, que não desenvolveu nenhum produto de qualidade (chips) desde sua criação e, certamente, não vai contribuir para a produção nacional de microprocessadores.
A motivação ideológica bate de frente com a necessidade de ajuste nas contas públicas e de aumento da produtividade da nossa economia, para os quais a desestatização contribui. Além das razões econômicas, é bom lembrar que as privatizações trouxeram benefícios sociais, como a universalização da telefonia e energia elétrica, caminho a ser seguido no saneamento, se o governo não atrapalhar.
Mas a má situação financeira da empresa não é a única razão para incluí-la no PND. Esse é apenas um dos fatores, que esteve presente, por exemplo, no caso da Eletrobras, que acabou inviabilizada financeiramente pela gestão de Dilma Rousseff.
A Constituição Federal, no art. 173, diz que a presença do Estado na atividade econômica só se justifica nos casos de imperativo à segurança nacional ou de relevante interesse público que justifique sua criação. O CND deveria avaliar se as estatais atendem a essas exigências. A mesma canetada revogou essa recomendação. Pode parecer inócua, pois vale o que está escrito na Constituição, mas é simbólico um governo não dar a mínima ao cumprimento de uma norma constitucional.
O correto seria incluir todas as estatais no PND para avaliar sua adequação ao art.173. Só permaneceriam sob controle público as que atendessem esse requisito, além, é claro, das definidas como monopólio estatal constitucional. O governo não precisaria justificar cada decisão de privatização, como hoje, mas, sim, explicar a razão de manter uma estatal em lugar de vender. A presença do Estado na economia deve ser exceção, e não regra, como nossa cultura patrimonial faz parecer.
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