Entrevistas

Momento é favorável, se não houver ansiedade, diz Joaquim Levy

BC deve cortar a Selic em 0,5 ponto percentual em agosto, projeta ex-ministro da Fazenda

Valor

Se as autoridades não ficarem muito ansiosas com o bom momento que a economia brasileira vivencia neste ano e, principalmente, que pode se repetir em 2024, haverá uma janela de oportunidade para planejar o longo prazo, defende Joaquim Levy, diretor de Estratégia Econômica e Relações com o Mercado do Banco Safra, em entrevista ao Valor.

O crescimento deste ano – 2,1% na visão do Safra; 2,2% no consenso do Focus – está dado pela agricultura, lembra Levy. Para 2024, o banco tem uma visão mais positiva, projetando 2,5%, ante 1,3% na mediana do Focus. O Safra também espera inflação de 5% neste ano, em linha com o mercado, mas de 3,3% no próximo, menos pressionada que o consenso, de 3,9%.

Neste contexto, antevê Levy, o Banco Central deve começar a reduzir os juros em agosto com um corte de 0,5 ponto percentual, levando a Selic para 11,75% no fim de 2023 e 8,75% em 2024 – o Focus está em 12% e 9,5%, pela ordem.

Embora não haja relação mecânica entre queda da Selic e PIB, “quando a taxa de juros for abaixo de 10%, muita coisa vai começar a mudar”, diz. “O governo não pode querer atropelar demais”, alerta.

Nesse sentido, Levy, que foi ministro da Fazenda em 2015, elogia o atual chefe da pasta, Fernando Haddad, que, na sua avaliação, tem agido “com tranquilidade”. Ele, inclusive, não descarta que uma agência de classificação de risco eleve a nota de crédito do Brasil, a depender do andamento da pauta econômica no Congresso.

Com juros caindo, a hora é de “dar espaço para isso ir trazendo as vantagens para a economia” e aproveitar o período para começar a olhar para o longo prazo, afirma Levy, destacando a importância da reforma tributária e da transição energética. “Essas coisas não se improvisam, se planejam”, afirma.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: Como projetam o início do ciclo de cortes na Selic?

Joaquim Levy: As coisas que a gente tinha alinhado há algum tempo aconteceram. Em outubro, eu disse que, talvez, a inflação deste ano ficasse abaixo de 5%. Quem ia acreditar naquela época? Está se encaminhando para isso. Tínhamos uma série de fatores que já vinham, desde o ano passado, indicando queda da inflação e dos juros em 2023. Esse cenário passou por uma prova de fogo na virada do ano com a PEC da Transição. Todo mundo ficou muito nervoso, mas fomos superando e, hoje, chegamos em uma situação em que o BC está com conforto para baixar os juros. As peças se juntaram – a última foi a decisão do Conselho Monetário Nacional [de manter a meta de inflação em 3%]. Já está fazendo efeito: a expectativa de inflação para 2024 no Focus começou a cair e deve cair mais. Acredito que, em agosto, com essa convergência, o BC vai ficar muito confortável. A questão é se ele vai começar com 0,25 ponto percentual, uma inflexão muito cuidadosa, ou se pode começar com 0,50 ponto. Achamos que é para ser 0,50, e o mercado também já está achando.

Valor: Por quê?

Levy: Pela própria sinalização do Banco Central. Se o BC, mesmo depois da reavaliação da taxa de juros neutra [aquela que não contrai nem acelera a economia], considera que ela é 4,5%, em termos reais, e a inflação está convergindo para 3%, isso dá uma taxa neutra nominal de 8%. Se você está [com a Selic] em 13,75%, para chegar a 8%, em uma situação em que o hiato é negativo [há ociosidade na economia], pode até querer acelerar [o corte]. Se não começar com 0,50 ponto, daqui a pouco vai ter de dar 0,75; daqui a pouco, pode ter de fazer como o Ilan [Goldfajn, presidente do BC entre 2016 e 2019], que teve de dar 1 ponto [de corte]. Não dá para descartar isso, dada a distância entre onde a gente está e o que o próprio BC colocou como a taxa de juros neutra.

Valor: O sr. concorda com essa taxa de juros neutra do BC?

Levy: Eu acho que o Banco Central está usando isso um pouco como mecanismo de comunicação. Se você dá uma relaxada na política monetária, quer dizer que, até o fim do ano, o hiato até pode abrir um pouco mais [aumentar a ociosidade da economia], mas, mais para frente, o hiato vai começar a se fechar [a economia ficará mais aquecida]. Digamos que daqui a um ano ela já esteja perto do crescimento potencial. Isso significa que, naquele momento, você vai estar mirando a taxa de juros neutra. Funciona como um piso. E eu acho importante, porque, hoje, a curva já indica uma taxa de 8,5%. É uma sinalização para o mercado, que já está praticamente lá. Inclusive, não achamos que vai ter um fechamento de taxas muito maior agora. Quando as pessoas forem percebendo isso, provavelmente, vai haver, cada vez, mais um movimento em direção à Bolsa.

Acho que o ministro da Fazenda está sendo extraordinário na condução das coisas”

Valor: Por que o Safra está mais otimistas com o PIB em 2024?

Levy: Neste ano, a agricultura empurrou o PIB. Os salários e a renda das famílias não foram muito mal; por outro lado, o custo da dívida está subindo, então, a renda disponível não tem crescido muito. Por isso, o crescimento do consumo este ano não vai ser grande. Ele vai ser um pouco melhor, porque, com o preço dos alimentos caindo, sobra um pouco para comprar outras coisas. Mas veja o caso do automóvel: estamos vendendo mais do que em 2022, mas menos do que em 2021, quando a taxa de juros era baixa. Não há uma relação mecânica entre o crescimento e a taxa de juros, mas, ainda assim, rodando os modelos… Na hora em que a taxa de juros começar a cair, quando ela for abaixo dos 10%, muita coisa vai começar a mudar. A gente espera que isso seja na virada do ano ou no carnaval.

Valor: O que pode mudar?

Levy: O primeiro que acho que vai reagir é o consignado, porque não tem risco de inadimplência. Você tem uma pessoa que hoje está “travada” pagando uma prestação; quando a taxa é baixa, você refinancia, com a nova taxa. Vai gerar o que a indústria chama de “troco”, que é o dinheiro que ou ele não toma, mas, aí, a prestação dele fica bem barata, ou ele toma e dá aquela “alimentada”. Só no consignado esse “troco” pode dar em torno de R$ 50 bilhões. Aí, uma coisa puxa a outra. Por isso, achamos que o consumo, no ano que vem, pode crescer entre 2,5% e 3%.

Valor: E os investimentos?

Levy: A taxa de juros e a confiança do empresário andam juntas, na direção contrária: se a taxa cai, a confiança aumenta. O empresário começa a ver que está vendendo mais e que sua dívida está um pouco mais barata. O próximo passo dele é usar esse dinheiro para renovar estoque ou fazer investimentos. Os investimentos [no PIB], que devem cair 3% neste ano, podem subir 3% no ano que vem – ainda é um número pequeno. Mas tudo isso, junto com uma exportação na tendência, faz com que se consiga chegar a um crescimento de 2,5% do PIB em 2024. Como esse crescimento é mais apoiado na demanda interna, também ajuda a arrecadação. Isso ajuda o fiscal, o que dá mais tranquilidade para a taxa de juros. Dali a pouco, vamos ver fluxo de capital externo vindo.

Valor: Um crescimento pelo consumo não pressionaria a inflação?

Levy: No começo do ano que vem, ainda vamos estar com hiato negativo. Ainda que você veja o consumo se expandindo, [a Selic] vai estar em território restritivo, acima da taxa neutra. É uma verdadeira tundra até chegar ao neutro. A pergunta é: houve fôlego para [o PIB crescer] esse ano, mas e depois? Se quiser repetir a mesma mágica no ano seguinte, aí, eu concordo, vai ser inflacionário. Então, vai ser muito importante aproveitar esse período para começar a olhar para coisas de mais longo prazo.

Valor: Como o quê?

Levy: Tem a ver com investimento e faço duas observações. A reforma tributária é absolutamente urgente. Eu não estou nervoso, se a reforma votada na Câmara não é perfeita, isso é natural. Vota-se rapidamente na Câmara, para dar uma sinalização, e dá tempo para o Senado, que é a casa da federação, depois ir ajeitando. Mas a reforma é fundamental para essa segunda etapa [de crescimento]; resolvendo isso começa a abrir o horizonte para as companhias pensarem em investimentos maiores.

Valor: Qual é o outro fator?

Levy: Aproveitar as vantagens que temos em todos os temas de transição ecológica. Por isso o Ministério da Fazenda está com aqueles planos. Se tiver fôlego, conseguiu votar a reforma tributária [no Senado; o texto já passou pela Câmara] e, aí, no segundo semestre, começa a discutir essa questão do plano ecológico, vai dando as linhas de investimento. O Brasil tem enorme capacidade, mas essas coisas não se improvisam, se planejam.

Valor: Quais são os riscos para essa visão mais otimista?

Levy: Estamos sempre olhando os riscos. A reforma tributária esbarrar seria muito ruim. Tem que ir com cuidado também na tributação lá fora, para não matar as empresas brasileiras que estão indo competir. Outro risco é que o governo não pode querer atropelar demais. Isso vale para qualquer país. Tem de ter paciência. Com os juros caindo – afinal, houve tanto esforço para garantir que a inflação diminuísse -, agora vamos dar espaço para isso ir trazendo as vantagens para a economia.

Valor: Como assim?

Levy: Temos uma oportunidade de fazer as coisas ao longo do tempo. Se não houver muita ansiedade, é um cenário favorável ao Brasil. Tem de saber ter a tal da famosa paciência. Se tentar fazer tudo no ano que vem, começar a gastar, fazer empréstimo, superaquece a economia e volta aos problemas que a gente já conheceu. Tem de ir dando tempo para as coisas acontecerem. Nada vai ser melhor para a economia brasileira do que a gente conseguir um período de taxa de juros e inflação baixas com a economia equilibrada. É a coisa mais democrática que tem. A gente tem de trabalhar bem para conseguir essas condições, e isso você não consegue forçando a barra. O governo tem de dar espaço para essas coisas acontecerem e focar muito as questões regulatórias, para criar esse ambiente de investimento favorável.

Valor: O crescimento, como o sr. mencionou, deve ajudar a arrecadação. O plano fiscal do governo se torna mais viável?

Levy: Tem uma realidade: a despesa foi aumentada no ano passado em 1,5% do PIB. Arrumar como atender isso é a arte. Eu acho que o Haddad está fazendo um trabalho bem equilibrado, porque, de um lado, vai tentar tapar alguns buracos, agora, do outro lado, é evidente que vai ter de ter crescimento. Eu acho que o arcabouço tem uma grande vantagem: ele é muito transparente. Ele mostra uma equação interessante: com um crescimento do PIB na ordem de 2,5%, um [resultado] primário entre 1% e 1,5% e uma taxa de juros neutra entre 3,5% e 4%, você consegue estabilizar a dívida. Esse é o crescimento do PIB que você precisa ter para o arcabouço funcionar. Por alguns fatores conjunturais, o ano que vem deu 2,5%; tem de começar a pensar no 2,5% estrutural.

Valor: Recentemente, a S&P Global melhorou a perspectiva do rating do Brasil. Há chance de elevação da nota de crédito do país pelas agências de classificação de risco?

Levy: Se a reforma tributária avançar e, se passarmos algumas leis para reforçar o fiscal, meu sentimento é que uma agência pode ir além do ‘outlook’ [perspectiva], pode já dar elevação. Ainda tem uma longa caminhada para voltar ao grau de investimento. O segredo é ir com calma e focando o que é essencial. Acho que, nesse sentido, o ministro da Fazenda está sendo extraordinário na condução das coisas, com muita tranquilidade. As peças estão aí. O mundo é diferente, algumas soluções vão ser também, mas como a gente diz aqui, o Brasil vai continuar, certo?

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