Entrevistas

Governo Lula acerta nas políticas macro e erra no micro, diz ex-diretor do BC

Luiz Fernando Figueiredo, sócio e chairman da Jive, avalia que Lula tem sido beneficiado por condições econômicas favoráveis, mas que risco de retrocesso ‘não é pequeno’

Bloomberg Línea

Os primeiros seis meses do governo Lula foram marcados por avanços macroeconômicos. Mas a agenda voltada para setores específicos vai na direção contrária, com a reedição de ideias e políticas de estímulo que não deram certo no passado.

A avaliação é do economista Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e chairman da gestora Jive, que tem cerca de R$ 17 bilhões de ativos sob gestão, em entrevista à Bloomberg Línea.

A aprovação da reforma tributária e do arcabouço fiscal na Câmara, bem como as medidas do Ministério da Fazenda, de Fernando Haddad, para diminuir o déficit primário contribuíram para melhorar o ambiente macroeconômico e para reduzir a incerteza fiscal no país, segundo o economista.

Como consequência, as expectativas para a inflação têm convergido em direção à meta do Banco Central, o que cria as condições para o início de um ciclo de corte de juros já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em agosto.

No entanto Figueiredo apontou que propostas e iniciativas do governo na área microeconômica colocam em risco os avanços feitos no país nos últimos anos.

“As atitudes e as decisões na área mais macro são racionais. Você pode até dizer que preferia que fosse de outro jeito. Mas não é irracional. Agora, a agenda microeconômica é irracional. Ela é ideológica”, disse Figueiredo.

Ele citou como exemplo as tentativas de alterar o Marco do Saneamento, a Lei das Estatais, a reforma trabalhista e a reforma da Previdência, além da medida de incentivo fiscal para a compra de carros zero quilômetro, bem como a volta de um papel mais ativo do BNDES no mercado de crédito. “A quantidade de coisas que propõem e já fizeram lá atrás e deram completamente errado é impressionante.”

Contrapeso do Congresso

Para Figueiredo, que foi diretor de Política Monetária do BC entre 1999 e 2003, o Brasil tem sido beneficiado por reformas realizadas nos últimos seis anos que criaram condições para o aumento dos investimentos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). São condições podem ser ameaçadas por algumas iniciativas defendidas pelo governo Lula, segundo ele.

Nesse sentido, o economista ressaltou a importância do Congresso em evitar que certas medidas sejam aprovadas. “Ainda bem que temos um Congresso que foi e continua sendo reformista, com uma cabeça mais liberal para os assuntos econômicos. Que está apoiando a agenda liberal, que é o arcabouço e a reforma tributária. E que não deixa passar bobagens como mudar a Lei de Saneamento”, disse.

Figueiredo avaliou que o governo Lula não é “homogêneo” e que essa característica leva a conflitos internos, com integrantes do governo ou do Partido dos Trabalhadores trabalhando na direção contrária das reformas defendidas pelo próprio Ministério da Fazenda.

“Várias pessoas do governo ou do partido ‘entortam o nariz’ para o ajuste fiscal e o próprio arcabouço. É muito importante que o ambiente seja razoável para que as pessoas que estão tentando fazer esse pacote dar certo ganhem força, e não o contrário. Imagina se em dois ou três meses o país estivesse entrando em recessão? A chance de cair para o outro lado não é pequena”, afirmou.

Trabalho do Banco Central

O próprio presidente Lula, na sua visão, não contribui para a melhoria do ambiente econômico quando faz críticas à política monetária do Banco Central e ao presidente da autarquia, Roberto Campos Neto.

Figueiredo avaliou que as críticas de Lula foram muito ruins do ponto de vista das expectativas de inflação e de juros e que elevaram as incertezas no mercado. Segundo ele, no entanto, esse é um processo importante para testar a autonomia do Banco Central, que tem se mantido resistente às críticas e seguido a política monetária com uma visão técnica.

“Ter um Banco Central que age 100% by the book nessa situação é muito importante. Você aprende que é assim que funciona. Em uma próxima vez, o Banco Central vai agir dessa forma”, afirmou.

Sobre a atuação do BC em si, Figueiredo avaliou que o Copom está correto em agir com cautela e parcimônia, como mencionado no comunicado da última reunião, antes de iniciar um ciclo de corte de juros para evitar que eventuais mudanças no cenário obriguem a autarquia a mudar de direção.

“Se o Banco Central for mais cauteloso agora, ele amplia a chance de reduzir mais no processo de queda de juros”, afirmou o economista.

“Nesses momentos em que o início do processo de queda está para acontecer, sempre há críticas ao nível dos juros e as pessoas dizem que não precisava ter subido tanto. Mas é só ter um pouco de calma. A coisa é temporal. Daqui a três meses não estaremos mais falando disso”, disse.

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