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O investimento virá?

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É cada vez mais evidente que a transição energética e, de modo mais amplo, “ecológica” será chave para os investimentos no Brasil até 2030-notadamente privados. O governo articula uma estratégia para essa transição, cujo multiplicador é grande: energia limpa e barata atrairá investidores, diminuirá eventual discriminação internacional contra nossa indústria e puxará os serviços. A floresta em pé e a agricultura sustentável nos darão liderança no clima e biodiversidade, promovendo a paz mundial com mais alimentos.

O sucesso da estratégia para chegarmos às emissões de carbono zero dependerá do seu financiamento. A energia renovável no Brasil é mais barata que as alternativas, prescindindo de subsídios. Atividades em algumas cadeias industriais longas ou que envolvam muita pesquisa e inovação podem necessitar apoio. Mas, mesmo aí, diminuir riscos será mais importante do que mobilizar subsídios. Seria provavelmente um equívoco um país com baixa renda e capital, e longe da liderança tecnológica, simplesmente imitar programas como os da Europa e EUA.

O principal risco para investimentos continua sendo macroeconômico. Ele impacta a taxa de juros, o financiamento lastreado apenas nos méritos do projeto (project finance without recourse) e o prazo do crédito. Por isso, a confiabilidade fiscal é crucial.

O desafio fiscal atual vem muito de decisões tomadas antes das eleições, que aumentaram as despesas em 1,5% do PIB e postergaram compromissos da União. A conta é grande e, como o Tesouro Nacional mostrou de forma sóbria e transparente no seu 3º Relatório de Projeções Fiscais, zerar o déficit primário em 2024 exigirá R$ 100-150 bilhões em receitas adicionais. Esse aumento tem que ser permanente e ir além do crescimento de 2,5% a.a. do PIB, para se chegar a um resultado primário de 1% do PIB em 2026. Além disso, há 2% do PIB em precatórios que deverão ser pagos até 2027. A Fazenda tem lutado na Justiça e anunciado medidas para obter essas receitas, como a verificação do preço de transferência de exportações, e a tributação das apostas eletrônicas e da poupança individual, inclusive aquela no exterior. Mas o esforço será grande, não devendo asfixiar as empresas ou afugentar o capital, e exigirá disciplina nos gastos fiscais e parafiscais, inclusive das estatais.

Uma das vantagens da transição energética é que, enquanto a produção de petróleo ou a construção de hidrelétricas tem grande risco, sendo complexa e demorada, a construção de parques eólicos e solares em terra é simples e rápida. A entrada do capital privado na geração elétrica mostra isso, independente da explosão da geração solar distribuída. O papel de grandes empresas estatais ou privadas deve ser repensado nesse ambiente, e a concorrência estimulada.

Precisamos de regulação que remunere adequadamente os serviços proporcionados por diferentes fontes de energia, e um planejamento que otimize investimentos de rede pelo setor privado, evitando acrobacias fiscais com projetos gravosos ou de vida possivelmente curta. O Brasil tem as instituições para isso, se elas contarem com autonomia técnica e recursos. Recursos públicos também serão preciosos para fortalecer a pesquisa mineral, estribando novas concessões e o investimento privado no processamento de minerais estratégicos.

O planejamento ajuda a ligar elos das cadeias de produção, diminuindo riscos e alinhando vantagens. Isso já é percebido quanto à siderurgia. O Brasil tem minério com alto teor de ferro, que pode ser tratado para ser ainda mais eficiente e de baixo carbono. O país também produz excelente coque para anodos e eletrolizadores como os necessários para a produção de hidrogênio verde (H2v), além de fabricar equipamentos de geração eólica e dominar amplamente a tecnologia de estruturas offshore. A legislação para a geração eólica off-shore sendo aprovada, há dezenas de projetos cadastrados que poderão botar o país na dianteira da produção de H2v em 5 anos, integrando as fontes renováveis, com energia de rede sem traços de combustíveis fósseis. O planejamento poderá coordenar essas possibilidades com a periódica reforma dos altos fornos e a compra de fornos elétricos, facilitando o financiamento das cadeias de produção e baixando custos. Tendo sucesso, ele abriria mercados para o aço brasileiro e mostraria ao mundo como reduzir as emissões de escopo 3 da mineração do ferro.

Outro componente da estratégia de transição, nunca é demais dizer, é a reforma tributária que cria o IVA e reduz distorções. O receio de que alíquotas subirão de forma generalizada é intrigante, especialmente quando acompanhado da demanda de que elas sejam anunciadas de antemão. Afinal, se o compromisso do governo é de que não haja aumento da carga tributária, as alíquotas efetivas não poderão aumentar para todo mundo e precisarão ser calibradas ao longo do tempo. Também é difícil entender o sentido de a alíquota vir a ser “das maiores do mundo”, quando ela apenas traduz em grosso a soma, hoje, do PIS-Cofins e ICMS.

O IVA vai aliviar setores que atualmente não têm direito a crédito nos insumos que compram. As Contas Nacionais mostram que o “consumo intermediário” corresponde a perto de 40% do valor da produção de muitos segmentos dos serviços, e mais de 50% na agricultura. Poder abater o imposto incluído no preço dos insumos, isto é, ter direito a crédito tributário, diminuirá o impacto do alinhamento do IVA para os setores atualmente com alíquota mais baixas. O IVA também tornará a tributação mais igual entre setores e atividades no mesmo setor, melhorando a alocação de capital e produtividade da economia.

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Sobre o autor

Joaquim Levy