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Ciclos e ciclos

Cenário é mais desafiador do que em ciclos anteriores

Valor

Desde 2005, o Banco Central havia implementado cinco ciclos de flexibilização monetária. O primeiro começou em setembro de 2005, o segundo em janeiro de 2009, o terceiro em agosto de 2011, o quarto em outubro de 2016, o quinto, e mais recente, em julho de 2019 – esse último teria terminado em janeiro de 2020, mas acabou sendo estendido pelos efeitos econômicos da pandemia. O movimento anunciado ontem inaugura o sexto.

Para pensar na condução da política monetária e na trajetória da Selic nos próximos trimestres, vale avaliar as condições iniciais do ciclo, à luz da experiência recente.

Como a política monetária opera com defasagens, o exercício consiste em calibrar a taxa de juros para que as projeções do Comitê de Política Monetária convirjam para a trajetória almejada. Simplificando, os modelos de projeções do Banco Central, que costumam ter grande influência em seu processo decisório, têm três componentes principais: expectativas, inércia e o grau de ociosidade da economia (em especial, do mercado de trabalho).

Mesmo com a melhora recente, as expectativas ainda estão cerca de 1 ponto percentual acima da meta

As expectativas têm papel muito importante nesse tipo de exercício, e seu comportamento é determinado pela própria meta de inflação e pelo grau de ancoragem das mesmas em torno da meta. Nesse contexto, ao reafirmar a meta de 3%, o governo inteligentemente ajudou a disciplinar as expectativas, que andavam um tanto rebeldes. E como se compara o estado das expectativas hoje, em relação a ciclos passados? Mesmo com a melhora recente, as expectativas, compiladas pelo próprio Banco Central, ainda se encontram cerca de 1 ponto percentual acima da meta, no horizonte relevante para a política monetária. Isso constitui um cenário mais desafiador do que em ciclos anteriores, inclusive do que se observava em agosto de 2011, um ciclo que, veremos abaixo, o Copom não há de querer repetir.

Inércia também é relevante, ainda que com um peso menor, e indica qual vai ser a inflação tendencial, em especial no período inicial do ciclo, se nada ocorrer com as expectativas ou a ociosidade. No caso atual, estimamos uma inércia em torno de 5%, também acima da meta, mas não muito diferente do que foi observado no início de ciclos anteriores, como 2005, 2009 e 2016.

Finalmente, a ociosidade indica o grau de pressão sobre os preços de fatores de produção. Geralmente, os bancos centrais focam no comportamento do mercado de trabalho, que influencia a dinâmica salarial e, consequentemente, os preços dos serviços. Tivemos uma recuperação rica em empregos na saída da pandemia, e observamos atualmente uma taxa de desemprego de 7,9%, abaixo tanto da média da série (10,4%), quanto das estimativas mais confiáveis do que seria a taxa neutra (que não acelera, nem desacelera, a inflação, em torno de 9%).

Esse quadro sugere um mercado de trabalho, no início do ciclo, mais apertado do que 2005, 2016 e 2019 e tão apertado quanto em 2011 e 2009 – mas este último foi um processo atípico, dado que ocorreu na esteira da grande crise financeira global. Claro que um eventual enfraquecimento do mercado de trabalho tenderia a desacelerar o ritmo de elevação dos salários, permitindo uma redução mais intensa da taxa de política monetária. Por outro lado, um eventual recrudescimento das pressões salariais poderia limitar ou inviabilizar a desinflação dos preços de serviços, complicando as perspectivas para a inflação e para a distensão da política monetária.

Na análise dos ciclos de política monetária, é importante levar em conta as condições iniciais, mas é necessário, também, avaliar qual foi o legado de cada um, em especial sobre as perspectivas para a inflação, cujo controle é o objetivo das autoridades monetárias, e cuja evolução acaba determinando o que vai ocorrer com a política monetária no período subsequente.

Nesse contexto, novamente, o comportamento das expectativas de inflação é uma métrica muito importante. Vale relembrar, portanto, como as expectativas de inflação terminaram os ciclos de distensão monetária, não só no curto prazo, mas no horizonte mais relevante para a política, dois anos à frente. Sob esse critério, o ciclo de 2005 terminou com expectativas ligeiramente abaixo da meta, no horizonte de um e dois anos, 3,8% e 4%, ante meta de 4,5%. O ciclo de 2009, terminou com expectativas em 4,1% e 4,4%, bastante próximas à meta de 4,5%. Já o ciclo iniciado em 2011, no qual o Banco Central surpreendeu os economistas diversas vezes, todas na direção mais expansionista, chegou ao fim com as expectativas cerca de 1 ponto percentual acima da meta, no horizonte relevante – consistente com a visão, que circulava na época, de que o Copom teria na prática adotado uma meta implícita, acima da oficial. Os ciclos mais recentes, de 2016 e 2019 (considerando o período pré-pandemia), terminaram com as expectativas em torno da meta no horizonte relevante.

A julgar pelos processos anteriores, uma conduta gradualista tem favorecido ciclos de flexibilização mais longos e, ao fim e ao cabo, mais intensos. Outro ponto é que, como a sociedade prefere juros mais baixos (e inflação mais baixa também), é em geral mais fácil corrigir o curso em uma direção expansionista do que contracionista. Ou seja, é menos custoso, inclusive do ponto de vista da economia política, corrigir tempestivamente um erro ocasionado por excesso de conservadorismo, do que um decorrente de excesso de exuberância. Em qualquer cenário, a comunicação das autoridades monetárias é um instrumento poderoso, quando bem utilizado, de coordenação de expectativas, por vezes até antecipando, na curva de juros, efeitos de decisões futuras do Copom.

Em resumo, avalio que o Copom deveria buscar, por meio de uma gestão prudente e gradualista do ciclo, conciliar a distensão monetária com a ancoragem das expectativas de inflação na meta, de tal forma que, ao final do mesmo, as autoridades, lá por 2025, não se vejam na iminência de ter que voltar a elevar a Selic. O melhor guia é o cauteloso, gradual, longo e bem-sucedido ciclo de 2005-2007, cuja estratégia é descrita em detalhe no texto para discussão do Banco Central “Taming Inflation Expectations”. Vale uma releitura.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/ciclos-e-ciclos.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita