Entrevistas

‘Reformas estão andando e Haddad está fazendo trabalho importante’, diz Berenguer, do Banco XP

Presidente da instituição vê espaço para corte mais intenso da taxa Selic e diz que cenário é favorável para a economia local

Valor

Se tivesse apostado, José Berenguer, presidente do Banco XP, teria ganhado o “bolão da firma”. O executivo acreditava no corte de 0,5 ponto percentual na taxa básica de juros do mercado, a Selic, anunciado na semana passada. “O Caio [Megale, economista-chefe da XP Investimentos] previa queda 0,25. O Banco Central deu uma ótima sinalização. Eu vejo maior espaço para queda até o fim do ano do que o mercado tem precificado”, diz Berenguer, que acumula interinamente o comando do banco de investimento após o desligamento de Pedro Mesquita, anunciado na segunda-feira.

Para o executivo, a combinação de inflação baixa, queda da taxa básica de juros e agenda de reformas deverá estimular o crescimento da economia. “Até há poucos meses, a gente passou por uma preocupação com a atividade econômica que se materializou. Se tirar o que aconteceu com o agronegócio, direta ou indiretamente, a economia andou de lado. A gente ainda não tem uma sensação de crescimento”, diz. Outro sinal positivo, segundo ele, foi o voto de minerva, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) ter vindo exatamente de Roberto Campos Neto, o presidente do BC.

Berenguer, que antes de chegar à XP comandou por sete anos a franquia do J.P. Morgan no Brasil, vê o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), com bom trânsito no Congresso para conduzir as reformas, que incluem temas “muito caros” à Faria Lima, como a tributação sobre fundos fechados, dividendos e dinheiro “offshore”, que não agendas populares nem novas. “A gente sabe que vai ser tarefa muito dura. Vai ter de mexer em subsídios e setores que recebem incentivos. As reformas estão andando e Haddad está fazendo um trabalho importante, com uma postura serena de aparar as tensões dentro do seu partido e tem sido um ponto de equilíbrio muito forte.”

Para Berenguer, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dado apoio ao ministro da Fazenda e isso é importante para construir a retomada do crescimento da economia. “O que me surpreendeu em Haddad foi sua postura de não cair em provocações e de colocar uma meta ambiciosa de que o Brasil volte a ser investment grade. É difícil, mas é preciso colocar essas metas. Se ele conseguir controlar despesa, aumentar arrecadação, teremos uma evolução muito importante, com ele sendo o fiador de uma política econômica estável.”

O risco, de acordo com o executivo, é o Brasil não corresponder e a retomada da atividade estancar ou cair e, com isso, comprometer o ajuste fiscal. “Estou otimista. Vai ter espaço para cortar despesas, mas sabemos que vai ter de aumentar os gastos para uma população que está desassistida para educação, por exemplo. Isso é um investimento de longo prazo e tem de ser feito. Se por algum motivo, o crescimento não vier, teremos um problema de cunho fiscal.”

Na XP desde 2020, Berenguer também vai usar sua experiência de 38 anos no mercado financeiro – ele disse que começou a trabalhar cedo – para trazer mais negócios para a sede da companhia. Com a saída de Pedro Mesquita, que ajudou a montar a área de banco de investimento da XP do zero, o executivo já tem voltando a usar terno e gravata, que nem juntaram tanta poeira no armário. E esse, como já de costume em sua jornada no mercado financeiro, é seu uniforme nas conversas com empresários tradicionais e clientes. “Nada contra o coletinho. Na semana passada, tive de usar paletó e gravata para conversar com investidores árabes. A gente se adapta ao gosto do freguês”, afirma, fazendo referência ao colete que se tornou uma marca da XP.

Na entrevista concedida ao Valor na segunda-feira, Berenguer usava um terno alinhado, sapato social, mas deixou a gravata de lado. Por enquanto. “Vou ‘treidar’ [neologismo do mercado financeiro para o verbo em inglês trade, ou negociar] as minhas gravatas com a nova geração”, brinca.

Com larga experiência no mercado financeiro, a “senioridade” de Berenguer pode trazer operações grandes para a mesa da XP. Ainda não há nomes para o comando do banco de investimento que vai ser decidido mais à frente. “Nosso IB [na sigla em inglês] está montado. Vou ficar como interino para não mexer mais neste momento. Temos uma equipe ótima, sobretudo na área de fusões e aquisições.”

O que o executivo quer evitar é mexer na equipe em um momento de retomada, algo que já se nota no número de transação de mercado de capitais ao longo das últimas semanas.

Ele reforça que a XP é muito forte na originação – com 14 mil agentes autônomos – e esse fator é o principal diferencial entre os bancos de investimentos na Faria Lima. “Ainda não estamos nos grandes M&As [fusões e aquisições, na sigla em inglês], mas posso ajudar o time para se posicionar para transações maiores.”

E a retomada do mercado de capitais será um caminho importante para crescer. “Veremos muitas operações de ‘follow-ons” [oferta subsequente de ações] até o fim deste ano. E pode cravar: veremos também lançamento de oferta [IPO]. Quer dizer, teremos IPO, se não houver nenhuma zebra”, diz.

Ao afirmar que a bolsa brasileira terá sim alguma estreia ainda em 2023, Berenguer faz o que muito banqueiro de investimento tem evitado: na roda de apostas, a concentração de retomada está em 2024. No entanto, o executivo da XP reforça e diz que há muito tempo não se sente tão otimista.

Sobre as ofertas subsequentes, ele enxerga um ritmo forte até o dezembro, com empresas já listadas acessando o mercado para colocar dinheiro no caixa para investir rumo ao crescimento, mas ainda haverá uma dinâmica de companhias buscando ajuste de balanço. “Com isso, a empresa pode entrar em um círculo virtuoso.”

Berenguer aponta que o IB da XP tem forte experiência em dívidas, tanto em operações de menor porte, quanto nas maiores do mercado, algo que tem ajudado a casa a ocupar as primeiras posições dos rankings de renda fixa. “Fizemos recentemente operações bilionárias, como a da Aegea e Iguá. Além disso, temos uma ótima penetração no agronegócio. Acompanhamos muitas empresas que faziam operações pequenas, mas essas companhias, agora bem estruturadas, podem se preparar para transações grandes. É a nossa aposta.”

Com a retomada do crédito – que teve uma piora no segundo semestre de 2022 e estancou no início do ano, com o caso da Americanas -, Berenguer vê as operações voltando até o fim do ano. “Não sei se volta 100%, mas está retomando. Há muita oferta de dívida.”

Link da publicação: https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/08/10/reformas-estao-andando-e-haddad-esta-fazendo-trabalho-importante.ghtml

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