Folha
O barômetro da economia mundial divulgado mensalmente pelo FGV Ibre em parceria com o KOF Swiss Economic Institute indica uma leve aceleração desde junho.
Em que pese toda a política monetária contracionista em quase toda parte —a exceção é a China, que, apesar da recuperação em relação a 2022, em razão do fim da política de Covid zero, tem apresentado dificuldade de manter crescimento mais robusto para os padrões chineses—, a economia mundial dá mostras de ensaiar uma retomada da atividade.
O acompanhamento em tempo real da atividade da economia americana para o terceiro trimestre conduzido pelo Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) em Atlanta aponta crescimento de 1,4% ante o segundo trimestre, uma taxa anualizada de 5,8%.
Ainda estamos na metade do trimestre e há muita informação até a última semana de outubro, quando o BEA, o IBGE americano, divulgará os números oficiais. De qualquer forma, os sinais são de uma economia americana muito mais forte do que se imaginava.
A trajetória da economia brasileira também tem apresentado a mesma resiliência da economia americana. Os dados de indústria, varejo e serviços do IBGE para o segundo trimestre consolidaram a leitura de que o crescimento será na casa de 2% ou até um pouco mais.
Não obstante o crescimento mais forte, não tem havido surpresas inflacionárias. O IPCA caminha para fechar o ano a 5%, como se imaginava em dezembro. Ou seja, até o momento, temos no Brasil e nos EUA uma desinflação sem custo de aumento de desemprego. Considero ainda uma leve desaceleração da ambas as economias na virada de 2023 para 2024. No entanto, inequivocamente o custo da desinflação tem sido menor.
Qual é a explicação para esse melhor desempenho das economias? Minha interpretação é que o atual surto inflacionário no hemisfério Norte é o primeiro que acontece após a construção do regime de metas de inflação, que ocorreu na primeira metade da década de 1990.
Desde o dia 13 de agosto de 1971, quando Nixon, presidente dos Estados Unidos, deu um calote global e rejeitou a conversibilidade do dólar ao ouro, passamos a operar em um mundo em que a quantidade de moeda pode ser qualquer coisa. Moeda é essencialmente papel pintado, e não tínhamos uma governança de como operar em um regime de moeda fiduciária. De fato, nos anos 1970 até a metade dos anos 1980, vivemos um longo surto inflacionário.
Por vários anos amarrados à ideia monetarista de controle da quantidade de moeda, não conseguimos operar bem a política monetária. Quando trocamos o controle quantitativo por uma regra de taxa de juros, avançamos.
A mudança parece simples e direta: em vez de controlar a quantidade de moeda, controla-se o preço. Mas foi muito difícil mudar o ponto de vista para o problema monetário: séculos de uso do padrão-ouro acabaram por entortar a boca.
A operação do regime de metas de inflação e a elevada reputação dos bancos centrais têm feito que, apesar da elevação da inflação, as expectativas para três ou quatro anos à frente se mantenham na meta. O resultado tem sido uma desinflação menos dolorosa do que normalmente ocorre.
É uma ótima notícia, e não deixa de ser uma grande conquista da economia enquanto um campo das ciências sociais.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2023/08/resiliencia-da-economia-mundial.shtml
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