Folha
Nos últimos dez anos tem havido renovado interesse da academia pelas políticas de desenvolvimento industrial (PI).
A nova literatura, no meu entender, demonstra convincentemente que a PI foi essencial para as mudanças na estrutura produtiva que ocorreram nos países de desenvolvimento rápido do leste asiático. Nesse sentido, a literatura recente de economia confirma os achados de uma literatura dos anos 1980 e 1990 da sociologia.
Esses resultados são contrários a resultados anteriores da academia em economia. As mudanças decorreram de uma melhora substancial na capacidade de mensuração do emprego da PI e de seus impactos.
Por exemplo, Nathan Lane, em cuidadoso trabalho empírico, documentou em detalhe que a política industrial praticada entre 1971 e 1979 pelo governo do presidente Park, de internalizar a indústria pesada (petroquímica, siderúrgica e naval), foi muito bem-sucedida em alterar a estrutura da indústria sul-coreana. O bonito no trabalho é que há evidências de que a decisão tomada pelo presidente pode ser considerada exógena à dinâmica da indústria.
Questões associadas à segurança interna do país, após o governo Nixon divulgar mudanças nas políticas de gasto com segurança internacional dos EUA, motivaram a troca. Por outro lado, o assassinato do presidente Park em 1979 terminou com a política. Ou seja, temos uma PI com início, meio e fim e na qual o início e fim são exógenos aos setores envolvidos. Temos, como argumenta Lane, um experimento natural. Há outros exemplos de documentação de sucesso de PI.
A coluna avalia que a grande falha dessa nova literatura foi não reconhecer que o esforço de PI nos países dos tigres asiáticos ocorreu simultaneamente a um brutal processo de acumulação de capital físico e humano. Basta lembrar as elevadíssimas taxas de poupança e o desempenho excepcional daquelas sociedades em testes de proficiência do ensino básico.
Assim, como argumentou Justin Lin em seu debate com Ha-Joon Chang, para os tigres asiáticos a PI não acontecia à revelia das vantagens comparativas, pois estas também mudavam rapidamente. A PI nos tigres asiáticos pode ser interpretada como uma política pública facilitadora, para ajustar a estrutura produtiva às vantagens comparativas em rápida transformação.
Não que seja ineficaz PI à revelia das vantagens comparativas. O caso da Embraer é um exemplo. Mas as chances de não funcionar são muito maiores, e certamente um esforço muito amplo à revelia das vantagens comparativas, como foi o caso com a indústria naval no Brasil de 2006 até 2015, não parece ser promissor.
Simplesmente a indústria que se deseja desenvolver emprega intensamente fatores muito escassos, e, portanto, muito caros. Se os ganhos de aprendizado não ocorrerem rapidamente, antes de a política pública gerar resultados o Tesouro Nacional esgota sua capacidade de financiamento. Esse foi exatamente o caso com a nossa grande crise de 2014 até 2016. Os investimentos foram parados por total esgotamento fiscal do Estado brasileiro.
Assim, com todas as dificuldades do Estado brasileiro —principalmente com o patrimonialismo e com a dificuldade de renegociação (tudo no Brasil rapidamente se transforma em direito adquirido)—, o melhor é o enfoque menos ambicioso de Justin Lin. Respeitar as vantagens comparativas, a menos de casos e experimentos bem circunscritos e sempre ligados a pesquisa e ensino, como foi o caso da Embraer.
Uma versão ampliada desta coluna, com todas as referências, encontra-se no blog do FGV Ibre
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