Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski
Globo
Há cinco anos, na noite de 2 de setembro de 2018, o fogo destruiu o Museu Nacional. Fundado em 1818 por Dom João VI como Museu Real, a instituição científica mais antiga do Brasil abrigava mais de 20 milhões de itens, incluindo relevantes registros da memória brasileira no campo das ciências naturais. Um acervo que incluía coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia, antropologia, arqueologia e etnologia.
Já bom tempo antes, a instituição vivia em condições muito precárias. Em 2015 já se fazia um apelo pela recuperação das instalações, tendo então sido lançada uma “Campanha pela Requalificação”, sem a adesão necessária. O resto é conhecido. Praticamente destruído, agora segue em lenta reconstrução.
Mas essa história não é, infelizmente, atípica. O Memorial da América Latina sofreu incêndio em 2013, com a destruição do auditório Simón Bolívar e a perda de inúmeras obras de arte. Em 2015 perdemos quase todo o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Em 2020, o Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais perdeu grande parte de sua reserva técnica. A Cinemateca Brasileira é a recordista: desde 1957, sofreu cinco incêndios. Hoje, finalmente, está bem abrigada e aparentemente segura em suas instalações em São Paulo.
Não contamos no Brasil com o apoio de investimentos privados para solução desse problema, pela falta de incentivos fiscais fortes e adequada tributação de herança. É um debate a fazer. A única opção no momento está nas mãos do governo, com o dinheiro que, afinal, é da sociedade. O poder público não pode eximir-se da responsabilidade, hoje inteiramente dele.
Em Manaus está a sede do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Criado em 1952, tem a missão de “gerar e disseminar conhecimentos (…) e capacitar pessoas para contribuir na formulação de políticas públicas e ações para o desenvolvimento da Amazônia, executando pesquisas relacionadas às mudanças climáticas, à biodiversidade, à saúde (…) e ao ambiente”.
Ambiciosa, a missão está muito longe de poder ser atendida. As instalações estão em estado precário; com exceção de um laboratório bem equipado e conduzido, seus ativos são antigos, subutilizados, fazendo trabalhos de baixa relevância e impacto.
Na ampla sede da instituição, uma área de 130 mil metros quadrados abriga, entre outros, um importante herbário. Criado em 1954, tem uma coleção de cerca de 300 mil espécimes de plantas e fungos, uma vasta xiloteca e carpoteca. Tem sido vital fonte de consulta de taxonomistas, fitogeógrafos, ecologistas, botânicos e técnicos do setor farmacêutico e de cosméticos.
Suas condições físicas têm um quê de Museu Nacional; são inseguras, com proteção muito limitada e inadequada contra incêndios e um vasto conjunto de materiais por classificar, todos eles frágeis e facilmente combustíveis, como madeiras, frutos, plantas secas, folhas e fungos.
O objetivo deste artigo é informar aos interessados pelo patrimônio cultural brasileiro que um incêndio nessas instalações é tão previsível quanto era nas instalações da Cinemateca, do Museu da Língua Portuguesa e do Museu Nacional.
Em recente artigo publicado na Current Biology, um conjunto de cientistas brasileiros e britânicos — liderados por Raquel Carvalho, da Embrapa; Angelica Resende, da Esalq/USP; e Jos Barlow, da Universidade de Lancaster — afirma que a “Amazônia é a mais diversa floresta tropical das Américas e a principal fonte de biodiversidade neotropical, mas é uma das florestas menos conhecidas das Américas”.
Os gaps de pesquisa na Amazônia, segundo o artigo, vão de 54,1% nas áreas de terra firme a 27,3% nos hábitats aquáticos e 17,3% nas áreas inundáveis. O desconhecimento que temos da Amazônia é enorme. Ainda mais grave, portanto, seria perder os dados que laboriosamente conseguimos juntar e abrigar em Manaus.
Salvemos o Herbário enquanto é tempo!
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