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Indignação, e ponto

Folha

A coluna deste mês já estava escrita quando fatos mais graves fizeram-me pensar em substitui-la pela nota abaixo. Agradeço à Folha por permitir a publicação de ambos os textos.

“Cesse tudo que a musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta”, escreveu Camões nos Lusíadas. Para ele, o valor era a bravura do povo ilustre lusitano; para mim, o valor é a solidariedade, a compaixão e a capacidade humana de indignar-se.

Em um dos meus primeiros artigos, citei meu professor do colegial, Flávio di Giorgi, que após declamar com seu estilo tonitruante “Fala aos pusilânimes”, do “Romanceiro da inconfidência”, de Cecília Meirelles, disse que aquela poesia era a mais bela manifestação de indignação, e acrescentava que a capacidade de se indignar era um dos traços que mais distinguia o caráter de um indivíduo. A frase impressionou-me instantaneamente e continua a fazê-lo até hoje.

As cenas dos ataques do Hamas à população civil israelense ocorridos no último dia 7 de outubro chocam por sua barbárie, covardia e desumanidade. Não há como associar o comportamento mesmo aos mais rasos requisitos de dignidade humana.

Não é coisa de gente.

Como muitos disseram, não são idealistas, não são militantes, nem guerreiros da liberdade; são terroristas.

Suas vítimas, somos todos os que acreditamos na civilização.

Qualquer tentativa de análise que procure explicar a barbárie em função da opressão sob a qual vive o povo palestino incorre em uma dupla falta: primeiramente, ofende o povo palestino, identificando-o com terroristas que não o representam; seu representante oficial é a Autoridade Palestina, inimiga do Hamas. Mais grave do que isso, essas análises, neste momento, constituem uma demonstração descabida de tolerância para com atos inomináveis.

A hora é de pasmo, perplexidade, indignação, dor, luto e revolta diante do abismo moral ao qual os ataques do Hamas projetam o gênero humano.

Não é hora de análises; o momento é de pesar. Como disse Marco Antônio, à beira do túmulo de César, na peça de Shakespeare: “Meu coração se encontra no ataúde (junto a César) e necessito pausar até que ele retorne a mim”.

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As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Candido Bracher