A divisão do trabalho doméstico e de criação dos filhos não está ocorrendo entre os jovens brasileiros
Valor
O prêmio Nobel de Economia deste ano foi concedido para a economista Claudia Goldin, por suas pesquisas sobre as mudanças do papel da mulher na sociedade americana e também sobre o impacto da educação nas desigualdades salariais. Como os resultados de Goldin podem nos ajudar a entender melhor o papel das mulheres no Brasil?
Goldin mostrou que o aumento do empoderamento das mulheres americanas ao longo do século XX ocorreu em várias etapas e envolveu diversas mudanças. O aspecto mais visível desta mudança foi o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, que passou de 20% no início do século XX para cerca de 70% nos anos 2000. Várias forças provocaram este aumento. As principais foram o grande aumento do ensino médio nos EUA, a mudança da visão negativa sobre o trabalho das mulheres, que prevalecia entre os casais mais ricos, o surgimento dos eletrodomésticos e das ocupações com horários mais flexíveis.
Uma das principais mudanças no período mais recente foi o surgimento da pílula anticoncepcional, que liberou a jovem do casamento antecipado por causa de uma gravidez indesejada. Assim, a idade do casamento e do primeiro filho aumentaram muito nas últimas décadas, fazendo com que as mulheres pudessem forjar sua identidade, terminar a educação e planejar sua carreira antes do casamento. Ao mesmo tempo, uma parcela maior das mulheres deixou de adotar o sobrenome do marido, um sinal importante de independência.
Apesar destes avanços, Goldin também mostrou que as mulheres continuam a ser penalizadas em termos salariais, por serem as responsáveis últimas pelo cuidado dos filhos, devido às tradições culturais. Ela demonstrou que os salários das mulheres são parecidos com os dos homens no início da carreira, mas sofre uma queda brusca em termos relativos com o nascimento do primeiro filho, para não mais se recuperar. Isso ocorre porque as mulheres acabam preferindo trabalhos com mais flexibilidade de horário e com menos necessidade de viagens.
É necessário igualar as oportunidades e investir nas habilidades socioemocionais das crianças
E como tem evoluído a situação das mulheres no Brasil? A taxa de participação das mulheres adultas no mercado de trabalho era de 40% em 1982, aumentou para 59% em 2002, mas está estagnada desde então, permanecendo em torno de 59% até hoje. Por que será que a participação das mulheres no Brasil atingiu um platô num nível mais baixo do que nos EUA?
Neste artigo, vamos analisar o caso das jovens brasileiras, com idade entre 14 e 24 anos. Em 2022, 15% delas já tinham filhos pequenos (até 6 anos de idade). Esta taxa é mais alta entre as que ainda não tinham concluído o ensino fundamental, atingindo 21%, ao passo que entre as mais educadas a parcela com filhos era de 13%. Entre as brancas, a taxa era de 11% e entre as negras 17%. Quase 25% das jovens negras que não completaram o ensino fundamental tinham filhos em 2022.
O problema é mais sério com relação à ocupação destas jovens. A figura mostra que as diferenças de ocupação entre as mulheres com e sem filhos são gritantes. Metade das que não tem filhos dedicam seu tempo completamente aos estudos, 10% combinam estudo e trabalho, 14% só estão trabalhando e 25% nem estudam nem trabalham. Por outro lado, entre as mulheres que já são mães, só 16% estudam em tempo integral, ao passo que 61% nem estudam nem trabalham, ou seja, estão cuidando dos filhos em tempo integral.
Ou seja, dentre as mais de 12 milhões de jovens mulheres brasileiras, 2 milhões já são mães e mais de 1,2 milhão pararam de estudar e de trabalhar para tomar conta dos filhos. Esta interrupção no estudo e no trabalho tem consequências importantes para a carreira destas mulheres, como aprendemos através das pesquisas de Claudia Goldin, pois alta escolaridade e experiência são fundamentais para suas carreiras.
Mas isso não ocorre por falta de anticoncepcionais, mas sim porque no Brasil uma parcela significativa das mulheres não consegue enxergar boas perspectivas futuras através do estudo e do trabalho. A evasão escolar e a gravidez são simultaneamente determinadas pela desistência do sonho de busca de uma carreira no setor formal da economia. Muitas jovens não acreditam que valha a pena continuar estudando, pois sabem que suas chances de conseguir entrar no mercado de trabalho com um bom salário são muito baixas, já que a maior parte das boas vagas está reservada para aos jovens nascidos em famílias mais ricas. Assim, uma parte das meninas acaba engravidando, ao passo que uma parte dos meninos acaba entrando na criminalidade.
Por fim, 20% destas jovens mães não moram com os pais de seus filhos e essa taxa está aumentando ao longo do tempo. Ma, morar com um companheiro não as ajuda a continuar estudando ou trabalhando. Os dados mostram que 59% das mulheres que moram com os maridos não estudam nem trabalham, ao passo que entre as que não moram com os parceiros essa taxa é de 48%. Assim, parece que a divisão do trabalho doméstico e de criação dos filhos não está ocorrendo entre os jovens brasileiros.
Como podemos melhorar a situação das mulheres na sociedade brasileira? Além de diminuir a discriminação no mercado de trabalho e incentivar a divisão do trabalho doméstico e de criação dos filhos, é necessário igualar as oportunidades desde o nascimento e investir nas habilidades socioemocionais das crianças, para que elas acreditem que é possível ter um trabalho produtivo e recompensador quando adultas.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/maternidade-educacao-e-trabalho.ghtml
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