Entrevistas

Ex-diretor do BC: ruído sobre meta fiscal não impacta na decisão do Copom

Luiz Fernando Figueiredo considera que, apesar da frase de Lula, o governo está buscando a sustentabilidade fiscal na prática

Globo

Um dia antes da divulgação da nova taxa de juros, que deve ser reduzida em 0,50pp, o ex-diretor do Banco Central e presidente do Conselho de Administração da Jive Investments, Luiz Fernando Figueiredo, não acredita que o ruído no governo sobre a meta fiscal mudará a visão dos integrantes do Copom em relação à política monetária. Ele salienta que o mercado financeiro não apostava no déficit zero e já projetava algo em torno de 1%. “O que o governo faz na prática é buscar a sustentabilidade fiscal. Essa frase de Lula  não tem muita novidade”.

Veja os trechos abaixo:

Pergunta:  O senhor acha que a declaração de Lula de que dificilmente o país vai concretizar a meta de déficit zero em 2024 pode mudar algo na visão do mercado e na decisão do Copom?

Luiz Fernando Figueiredo: Tenho uma opinião meio diferente do que a média. Não acho que tenha mudado nada. Por que? Antes de ser assumir, Lula sugeriu que existia uma incompatibilidade entre responsabilidade fiscal e assistência social. O que o governo fez na prática foi buscar a sustentabilidade fiscal. Essa frase que ele disse (sobre o déficit zero), embora a gente não goste de ouvir, não tem muita novidade. O mercado já projetava algo perto de 1% de déficit para o ano que vem. Nós, da Jive,  projetamos 0,5% de déficit. Achamos que eles vão brigar para ter mais receita, vão ganhar algumas batalhas e vão perder outras. Então, na nossa visão, vai ser 0,5% e o mercado está um pouquinho mais negativo, achando que vai ser entre 0,8% e 1%. 

Na prática, o mercado já considera que o governo não vai conseguir. Alguns acham que, com a fala do presidente,  agora o ímpeto será menor ou o Congresso vai fazer corpo mole. Eu não acho. Acho que existe uma enorme dificuldade para ampliar a arrecadação em R$ 160 bi. Talvez consiga metade disso. Então a gente não precisa se enganar. Creio que o governo vai continuar perseguindo, teve a reunião com líderes hoje, o Padilha (Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais) falou claramente que eles vão continuar perseguindo. O que importa muito mais é o que eles estão fazendo. Eles estão buscando de verdade ou não estão de verdade?  Não tem dúvida de que eles estão buscando.

Então nada muda?

Se todo mundo acreditasse piamente que iria ser a zero déficit e o Lula tivesse falado isso, seria um enorme susto, mas não é o caso. Ele fala que é difícil chegar a zero, cortar investimento é ruim e etc. O que ele está dizendo é que caso não consiga incrementar a receita, está menos disposto a cortar gastos.  Agora, isso é uma novidade? Está claro que eles não vão cortar desde que começou o governo. 

Acredita que este ruído possa impactar algo na reunião do Copom, que começou nesta terça-feira?

Não acho que o Banco Central  vai mudar a  trajetória e a maneira que eles veem a política monetária por conta desse episódio. 

Nem citar no comunicado?

Acho que seria um preciosismo excessivo citar algo que pode ter ficado só nas palavras e continuar o jogo exatamente como estava antes. Relevância seria se o mercado achar que, em vez de ser um déficit de 0,8% e achar que vai ser 2%. Aí isso move realmente a expectativa do Banco Central. Mas se não for o caso, não.

E qual é a projeção de vocês para os juros? Acham que vem uma redução agora de 0,50pp e outra em  dezembro ou vocês são do grupo que apostam numa maior no final do ano? 

Achávamos até há algum tempo que o ambiente local ia permitir acelerar a curva. Acontece que nos últimos dois meses, principalmente para os Estados Unidos, ficou mais com incerteza. O ambiente local está ficando mais benigno. Então tinha aumentado a chance do BC fazer mais do que só 0,50pp, mas como o ambiente externo piorou, o Banco Central tem razão em ser mais cauteloso, então provavelmente ele não aumenta o passo.

Mas é mais por conta da guerra entre Hamas e Israel ou por conta mais do ambiente econômico nos Estados Unidos?

Fora o horror humanitário que estamos vendo, do ponto de vista econômico, o impacto do conflito é pequeno. Estamos falando de uma região pequena e o conflito não se alastrou. Os mercados estão mais guiados pela perspectiva do Fed continuar como está com juros ou subir um pouco mais. Mas esta manutenção deve ser um tempo mais longo do que se imaginava.

Você acha que o Fed vai manter os juros neste patamar na reunião de quarta-feira? 

Eu acho que sim. Na verdade, acho que ele acabará não subindo mais. Embora  esteja parado, o que a gente chama de condições financeiras deram uma bela apertada no último mês, um mês e meio. Então isso é mais restritivo. O ambiente ficou mais contracionista. É como se o mercado estivesse fazendo um pouco o papel do Banco Central. E daí diminui a capacidade de fazer mais.

Link da publicação: https://oglobo.globo.com/blogs/miriam-leitao/post/2023/10/ex-diretor-do-bc-ruido-sobre-meta-fiscal-nao-impacta-na-decisao-do-copom.ghtml

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