Para ex-titular da Fazenda e do BC, ajuste nas contas do governo pode ter custo no curto prazo, mas benefícios para o crescimento econômico são maiores
O Globo
O ex-ministro Henrique Meirelles, que foi presidente do Banco Central (BC) nos dois primeiros governos Lula, diz que há meses não conversa com o presidente, mas, se pudesse, diria para ele manter a meta de déficit zero nas contas públicas no ano que vem. Em conversa com O GLOBO, o ministro da Fazenda de Michel Temer diz que é um erro o governo se endividar para financiar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O presidente Lula colocou em xeque a meta de déficit zero. Qual a avaliação do senhor?
A meta de déficit zero deve ser perseguida. O controle fiscal é mais vantajoso para o país, inclusive para a população mais pobre, porque o melhor programa social que existe é o emprego. Há custos de curto prazo, mas há benefícios maiores na medida em que o país pode crescer mais, ter mais confiança, taxas de juros menores e inflação menor.
Cumprir a meta depende de medidas de arrecadação. Elas são viáveis?
Será difícil. Vai depender do governo, do Congresso, de legislação, mas também de crescimento econômico.
Houve uma guinada no discurso do presidente Lula?
Não necessariamente uma guinada. Mas, de fato, há um discurso diferente, principalmente, do primeiro mandato, que foi um governo que aumentou a meta de superávit e entregou um resultado acima da meta. Não há dúvida de que houve mudança. E não há dúvida de que muitos eleitores votaram nele olhando para o que ele tinha feito no primeiro mandato.
A que o senhor atribui essa mudança?
Existe uma linha de pensamento econômico dentro do governo, e que conversa com ele, que defende o gasto público, como defendeu o governo Dilma, por exemplo.
É como se Lula estivesse mais próximo do governo Dilma, na economia ?
Em termos de proposta, sim, mas não é o que defende o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele defende algo mais próximo ao primeiro governo Lula.
O senhor chegou a conversar com Lula depois de eleito?
Nos falamos algumas vezes. Mas nos últimos meses não temos conversado porque ele é muito ocupado, tem muita gente lá dentro querendo falar com ele. E também porque ele adotou um discurso diferente da minha linha de pensamento.
O que diria para o presidente?
Para manter a meta de déficit zero e que isso dará maior segurança, diminuirá o risco fiscal. Em consequência, o país terá condições de crescer mais, gerar mais emprego e renda. Essa é a melhor política social que existe, como o mandato dele de 2003 a 2007 provou.
O BC deu recados sobre o risco fiscal. Como avalia a política monetária?
O BC disse a realidade. Se você tem um risco fiscal maior, tem expansão fiscal, maior déficit, e aí tem aumento do risco e da taxa de juros neutra. O que vai forçar o BC, para controlar a inflação, a ter uma taxa de juros maior.
Seria encurtar o ciclo de queda da Selic?
Exatamente.
Como o senhor avalia o cenário internacional?
Complicado. A nossa taxa de câmbio tem influência da taxa internacional do dólar e influência de fatores domésticos. O mercado acredita que o governo vai manter o controle fiscal. E têm entrado recursos no país. Isso mantém o dólar onde está.
Ou seja, a credibilidade da equipe econômica permanece?
Sim, o mercado não precificou o pior cenário. Então se houver a mudança da meta e a dívida pública subir mais, pode ter algum efeito negativo.
Como o senhor avalia a Reforma Tributária?
Positiva. Mas houve mudanças no Senado que geraram desequilíbrios entre os estados. Entre elas, os incentivos à indústria automobilística. Além disso, o conselho federativo perdeu poderes, que foram transferidos para o Congresso.
Qual balanço da política econômica até aqui?
Está dando resultado, mas ela vai ser definida pela meta fiscal, pelas aprovações feitas no Congresso. Temos coisas muito importantes que vão definir a política econômica e que estão sendo discutidas neste momento.
Quem defende a mudança na meta diz que é preciso investir no PAC, por exemplo…
Se tivesse dinheiro, tudo bem, poderia gastar com o PAC. Mas não é o caso. O governo vai tomar dinheiro emprestado no mercado para gastar, isso gera maior risco, juros, aumento da dívida e crescimento menor.
Link da publicação: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/11/14/meta-de-deficit-zero-deve-ser-perseguida-defende-o-ex-ministro-henrique-meirelles.ghtml
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