BC pode eliminar sinalização de corte de juro de 0,5 ponto nas próximas reuniões
Valor
O economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, acha que o Comitê de Política Monetária (Copom) deverá “desamarrar as mãos” e eliminar a indicação de que pretende cortar os juros em 0,5 ponto percentual nas suas próximas reuniões, que vem sendo renovada nos seus documentos oficiais desde agosto.
“Esse tipo de comunicação, em algum momento, passa a ser contraproducente”, afirma Mesquita, que foi membro do Copom na gestão Henrique Meirelles. “O cenário começa a mudar, e o Banco Central tende a desamarrar a mão. Acho que isso pode acontecer na reunião de dezembro.”
Para ele, com o passar do tempo é natural que o comitê comece a decidir mais de olho nos dados. “A reunião de dezembro vai acontecer dias depois da divulgação do PIB do terceiro trimestre, que provavelmente vai ser negativo”, afirma. Hoje, o IBGE divulga o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre. “Nesse contexto, algum aspecto da comunicação do BC vai mudar.”
Segundo o economista, o fim da indicação para o juro não significa, necessariamente, que o Copom vai entregar uma baixa mais forte que 0,5 ponto. Vai depender de como os novos dados moldam o cenário econômico até lá. Desde o início do ciclo de distensão, as apostas do mercado variaram bastante. Primeiro, elas se inclinaram para uma aceleração do ritmo dos cortes; depois, para uma desaceleração; e, mais recentemente, novamente para acelerar.
“O ponto é que o BC pode mudar a comunicação sem mudar o ritmo”, sustenta. “Mas, sem mudar a comunicação, ele tem um custo de credibilidade, de reputação, maior para eventualmente alterar o ritmo.”
Em entrevista ao Valor, Mesquita diz que os países emergentes terão que conviver com juros internacionais mais altos, mas não acha que esse seja um piso para a queda da Selic. “O que determina o que o BC vai fazer com a taxa de juros, em última análise, são as projeções de inflação”, disse. “A taxa de câmbio é um elemento, mas não o elemento.”
O ponto é que o Banco Central pode mudar a comunicação sem mudar o ritmo”
— Mario Mesquita
Entre os riscos, o economista destaca possíveis percalços na batalha dos Estados Unidos contra a inflação e a situação fiscal brasileira. Ele prevê que, em março do ano que vem, o governo adotará uma solução intermediária para lidar com a meta de zerar o déficit primário, fazendo um contingenciamento de despesas de R$ 30 bilhões e um aumento da própria meta. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Valor: Os juros dos títulos públicos americanos caíram recentemente, mas seguem altos. A causa é monetária ou fiscal?
Mario Mesquita: O pano de fundo é uma situação de extrema polarização política, que praticamente inviabiliza qualquer tentativa de ajuste fiscal. Por trás da alta das Treasuries, então, tem esta preocupação mais estrutural. Mas, agora, fatores mais de curto prazo também pesaram e talvez tenham sido determinantes. O Tesouro anunciou um plano de emissões abaixo do que muita gente esperava, ainda que à custa de um encurtamento, e o Fed mudou o discurso de altas adicionais. Tem até importantes membros do comitê já contemplando cortes de juros, nem o “high for long” está garantido. É uma situação em que houve um estresse, mas parece que está diminuindo, tende a diminuir.
Valor: O que isso significa em termos de condições financeiras para os países emergentes?
Mesquita: O que aconteceu depois de 2008, numa perspectiva histórica mais longa, foi um período excepcional. Quando você vê as Treasuries de dez anos a 4%, a 5% ou até acima disso, não é nada extraordinário, dentro dessa perspectiva mais secular. Vamos ter que conviver com taxas de juros mais elevadas nos Estados Unidos, até ter um encaminhamento melhor da questão fiscal e até ter uma inflação que volte para os 2% – e não vemos isso acontecendo neste ano e nem no ano que vem.
Valor: Para o Brasil, isso significa um piso mais alto para a redução dos juros pelo Banco Central?
Mesquita: Não vejo dessa forma. Acho que o que determina o que o Banco Central vai fazer com a taxa de juros, em última análise, são as projeções de inflação. A taxa de câmbio é um elemento, mas não o elemento. Historicamente, nem tem sido o mais importante. Se você tem uma conjuntura em que o câmbio está pressionado, mas os outros fatores estão se movendo na direção de reduzir a projeção de inflação, você pode ir cortando. Olhando para o aqui e agora, a gente tem um câmbio em R$ 5 no final desse ano, R$ 5,25 no final do ano que vem. Mas a gente está rediscutindo esses R$ 5,25. O cenário global, pelo menos no que se refere à política monetária e taxas de juros de mercado nos Estados Unidos, está ficando mais benigno para ativos de risco. Estamos tendo essa melhora estrutural superimportante na balança comercial. O câmbio não necessariamente coloca um piso e também nem sabemos se o câmbio vai ser problema no ano que vem. Pode até dar uma ajuda.
Valor: Quais são os riscos do lado da política monetária americana?
Mesquita: Duas coisas sobre a inflação americana preocupam um pouco. Primeira, essa lógica de que, dado que as condições financeiras apertaram, o Fed não precisa fazer nenhum esforço adicional. Mas, em parte, as condições financeiras apertaram por uma expectativa de que o Fed também iria subir a taxa. Se o Fed não gera mais essa expectativa – ao contrário, gera eventual expectativa de queda – as condições financeiras afrouxam. Segunda, o preço dos imóveis nos Estados Unidos voltou a subir. Alta de preços de imóveis acaba vazando para o índice de preços ao consumidor.
Valor: O Copom se reúne na semana que vem com sinalização clara de um corte de juros de 0,5 ponto percentual. O que esperar dos encontros seguintes?
Mesquita: O Copom vem usando esse “forward guidance” de que as próximas reuniões terão um ritmo de 50 pontos de corte. Esse tipo de comunicação, em algum momento, passa a ser contraproducente. O cenário começa a mudar, e o Banco Central tende a desamarrar a mão. Enfim, passa a ter uma postura mais “data dependent” [que depende dos dados econômicos divulgados], não oferecendo um guidance de duas reuniões. Acho que isso pode acontecer na reunião de dezembro. Vale notar que a reunião de dezembro vai acontecer dias depois da divulgação do PIB do terceiro trimestre, que provavelmente vai ser negativo. Nossa projeção é -0,2%. Que seja zero. Já vai marcar uma grande desaceleração em relação ao que a gente viu no primeiro semestre. Nesse contexto, algum aspecto da comunicação do Banco Central vai mudar. Sei que vai ter aquele debate, se mantém plural, tira o plural, reescreve tudo. Dessa vez, estou mais inclinado a achar que teremos mudanças na comunicação que na vez anterior.
O economista prevê que o governo adotará uma solução intermediária para lidar com a meta de zerar o déficit primário
Valor: Se o Copom mudar, significa que cresce a chance de um corte maior do que 0,5 ponto percentual depois de janeiro?
Mesquita: É curioso que a chamada assimetria que o mercado vê na política monetária, no início do ciclo, era para acelerar. O risco era 50 ou 75 [pontos-base]. Já uns 40 dias atrás, 60 dias atrás, era vista como sinalização de desaceleração. Passou a ser 50 ou 25. E, agora, voltou a ser de aceleração, de novo de 50 ou 75. Depende dos dados, depende da conjuntura. Se você desamarra a mão em dezembro, tem um espaço de tempo grande até o Copom seguinte. Nada garante que o mercado vai ver a possibilidade de mudança como mudança para 75. Ele pode ter voltado a ver com mudança para 25. Eu acho que é melhor o Banco Central, em algum momento, desamarrar a mão para poder repensar, recalibrar. Admito que essa não tem sido a comunicação deles, entre reuniões. Eles seguem, aparentemente, muito convictos do ritmo de 50. Agora, isso pode mudar. O ponto é que o BC pode mudar a comunicação sem mudar o ritmo. Mas, sem mudar a comunicação, ele tem um custo de credibilidade, de reputação, maior de eventualmente alterar o ritmo.
Valor: Muitas apostas numa queda mais forte de juro estão ligadas a uma dinâmica mais favorável da inflação de serviços, mesmo sem grandes surpresas na atividade e com o mercado de trabalho apertado. O que está causando isso?
Mesquita: A conjuntura é complicada, mas muito interessante para os economistas. Tem muita coisa diferente. Uma delas é, aparentemente, a sensibilidade, primeiro, dos salários em relação à taxa de desemprego. Há várias conjecturas, e observe que elas nem são mutuamente excludentes. Pode ser perfeitamente um fenômeno multicausal. Uma hipótese é que hoje em dia as negociações trabalhistas refletem não só questões salariais, mas também de benefícios, de regime de trabalho, como home office. Outra conjectura é que a reforma trabalhista de 2017 estaria tendo efeito. Para a taxa de desemprego que a gente tem observado, a variação salarial está abaixo do que os modelos sugeririam. Tem uma outra explicação de que a desinflação de itens comercializáveis foi tamanha que acabou também influenciando os preços de serviços. Temos também comentado bastante a questão de um crescimento do PIB potencial, modesto. Não dá para rejeitar essa hipótese, com os dados que a gente tem. Os dados que vão saindo vão dizer o que é verdade. Em algum momento, olhando para os preços de serviços, o efeito da desinflação que aconteceu para de se manifestar. Se, quando isso acontecer, a inflação de serviços começar a subir mais rápido, é um sinal de que a melhora da inflação é menos persistente do que a gente gostaria.
Valor: Qual é a sua previsão para a inflação de serviços?
Mesquita: Temos a inflação de serviço recuando lentamente e o desemprego ainda em torno de 8%, onde ele está.
Valor: Qual é a sua expectativa para a taxa Selic no fim de ciclo de baixa de juros?
Mesquita: Fazemos muitos exercícios sofisticados, mas tem um simples que a gente usa recorrentemente para reavaliar o orçamento [de quanto o juro pode baixar]. Quando replicamos o modelo do Banco Central fazendo projeção com Selic constante, chegamos a um orçamento entre 9% e 9,5%. Não é muito diferente do que tem no Focus.
Valor: O Banco Central, quando usa a projeção para a Selic do Focus, ainda prevê inflação acima da meta. Como seria possível o juro cair tanto quanto previsto pelos analistas do mercado?
Mesquita: Não está na meta em 2024, mas a gente acha que o horizonte vai se deslocando. Colocando de outra forma: 9% ou 9,5% não é recomendável se o Banco Central quiser a inflação na meta em 2024. Mas 2025 já está no horizonte também, e vai andando ao longo do tempo.
Valor: O Banco Central tem falado sobre o orçamento para lidar com duas coisas: cumprir a meta de inflação e ancorar as expectativas de inflação. Como que fica esse outro objetivo?
Mesquita: Em países emergentes, o mercado é um pouco São Tomé, quer ver para crer. Aqui não vai ser diferente. O mercado vai abandonar a expectativa de inflação de 3,5% e colar nos 3% [a meta] quando observar a inflação nessa vizinhança. Não de forma episódica, como a gente teve alguns meses atrás, quando tinha a ver com efeito base. Isso vai ser conquistado com o tempo. Dito isso, com toda a incerteza global e doméstica que a gente observa, os 3,5% não é confortável para o Banco Central, mas não é um resultado tão ruim assim. Eu não faria diferente, se estivesse no Banco Central. Ele tinha que expressar grande desconforto com os 3,5% para tentar ancorar as expectativas e até evitar que elas piorem.
Valor: Seria o caso de ter um juro mais alto para cuidar das expectativas, e não apenas fazer o esforço de colocar a inflação projetada nas metas?
Mesquita: Não, eu acho que o regime funciona melhor quando é implementado de forma simples. Ou seja, um instrumento, um objetivo. Como é que você faz? Tenta jogar a tua projeção na meta no horizonte relevante. As expectativas são um insumo muito importante no modelo de projeção, sem dúvida. Mas não são o objetivo da política monetária. Quando a política monetária começa a mirar dois objetivos, dá sempre errado. Se você tem um instrumento e dois objetivos, acaba não atingindo nenhum dos dois.
Valor: O que você prevê que o Banco Central vai fazer nas próximas reuniões, e o que deveria fazer?
Mesquita: Hoje me parece que 50 [pontos-base] está adequado, com taxa terminal de 9,5%. Sou bem “old school” nesse tema de meta de inflação. Seguir olhando as projeções e calibrando a política dessa forma.
Valor: O Banco Central está com um balanço de riscos equilibrado. Ele se justifica, considerando os riscos fiscais?
Mesquita: O balanço de risco equilibrado é consistente com a mensagem de manutenção de ritmo. Se você tem uma mensagem de manutenção de ritmo, mas tem um balanço de riscos assimétrico, essa mensagem fica, de cara, enfraquecida. Você tem esse risco global, e condições financeiras internacionais é algo que sensibiliza o Banco Central. Só que, de lá para cá, o real começou a se fortalecer. E qual é o mecanismo pelo qual você importa inflação? Acaba sendo o preço das commodities em reais. Gasolina, na última vez que olhei, estava com um ágio superior a 10%. Ou seja, com potencial de redução. O real está mais forte, não é? Acho que ele vai manter essa caracterização do cenário global, ainda que tenha de alguma forma melhorado. O risco doméstico também não se alterou muito intensamente. Então eu acho que ele vai acabar mantendo um balanço simétrico.
Valor: O mês de março será o momento mais delicado na política fiscal, com a definição do contingenciamento de gastos e possível mudança da meta fiscal?
Mesquita: É a implementação do arcabouço fiscal. Em primeiro lugar, a gente achava que a meta não deveria ser alterada desde já. Seria uma sinalização muito ruim. Alguns questionam: já tem um déficit projetado no ano que vem, não é zero, por que faz efeito mudar a meta? Por duas razões. Primeiro lugar, pela sinalização. Se antes mesmo de começar a meta ou implementar o arcabouço você já muda a meta, a sinalização não é encorajadora. E outra razão é que o ministro Haddad [Fazenda] tem buscado o ajuste pelo aumento de receitas. Ele vai ao Congresso pedindo receitas para atingir uma meta de equilíbrio. No momento em que a meta é alterada, o argumento usado pela Fazenda para convencer os parlamentares a aumentar a receita fica fragilizado. Se não está mais perseguindo zero, por que precisa desse recurso? Foi positivo também para reduzir e conter o risco Brasil, essa aparente decisão de deixar qualquer discussão para março. A gente acha que em março, aí sim, você deve ter uma discussão de meta. Mas a gente acha que vai ter um contingenciamento, algo como R$ 30 bilhões. Um pouco de aumento de meta, um pouco de contingenciamento.
Valor: Como você está acompanhando a atividade econômica? Estamos com um risco de recessão?
Mesquita: A gente aqui no banco tem um indicador proprietário de atividade econômica baseado nos cartões de crédito, débito e pagamentos de Pix, tudo agregado. O que a gente vê é uma economia que tem andado de lado há um tempo. Outubro não foi um mês tão bom, novembro aparentemente já foi melhor. Tem algum efeito de shows também aqui no Brasil capturado pelos dados. Quanto ao PIB, por outro lado, a gente vê um PIB negativo no terceiro trimestre, um pouco positivo no quarto trimestre. Em torno de zero. Se a projeção está em torno de zero, ela pode ser negativa. Então tem esse risco de dois trimestres negativos consecutivos que se convencionou para definir a recessão – não é como o Codace da FGV define, eles fazem uma análise muito mais sofisticada. Mas tem essa convenção internacional dos dois trimestres de PIB negativo. Não dá para descartar essa hipótese. Só que a gente já vê a economia mais dinâmica no ano que vem, em termos de crescimento trimestral, porque em algum momento passam os efeitos da contração monetária e começam a aparecer os efeitos da flexibilização.
Valor: Uma eventual recessão técnica pode afetar a política econômica do governo?
Mesquita: Vamos ver a função de reação do governo, se ele vai reagir com calma ou com mais preocupação, que tipo de instrumento ele vai querer lançar mão. Seriam os primeiros números ruins de atividade econômica desde que o governo começou. Vai ser importante observar como o governo reage nessa conjuntura.
Valor: Qual é a sua projeção para a atividade econômica?
Mesquita: 2,8% neste ano e 1,8% no próximo. Sobre inflação, 4,6% neste ano e 4% em 2024. Tem várias peças móveis na inflação, tem gasolina, tem ICMS estadual, que não depende de política monetária, mas pode mudar um pouco esse número.
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