Entrevistas

Discurso do governo foi pior que resultado prático, diz Luiz Fernando Figueiredo

Ex-diretor do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo não vê a política fiscal como sustentável, mas pondera que que o país foi atrás de novas receitas

Valor

Presidente do conselho de administração da Jive Investments e ex-diretor do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo acredita que a narrativa da agenda econômica em 2023 foi mais negativa que seu resultado prático. “Os sinais eram negativos, só que as ações foram em outra direção”, diz ele.

Figueiredo afirma que a economia está em transição, até que se sinta os efeitos da queda do juro, que devem ajudar a puxar os investimentos em alguns meses. Por isso, estima alta de 2% a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, no teto das projeções.

O ex-diretor do BC não vê a política fiscal como sustentável – por “flertar” com o problema fiscal -, mas argumenta que o país foi atrás de novas receitas e que a política fiscal de outros países também não é das melhores.

“Até brinco. Nessa competição de bruxas, nossa bruxinha nem é tão feia assim”, diz o fundador da gestora Mauá Capital, para quem a agenda populista não avançou, a despeito de problemas de governança nas estatais.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: Como foi 2023?

Luiz Fernando Figueiredo: Este foi um ano de várias surpresas. A primeira delas é que o país que cresce muito mais do que economistas projetaram. E isso ocorre há quatro anos. A modelagem [econômico-financeira] precisa de muitos dados e de muito tempo. E o Brasil passou por muitas reformas nos últimos anos, macroeconômicas e microeconômicas, o que os modelos não conseguem capturar. No início do ano, as projeções para o PIB estavam abaixo de 1% e agora estão perto de 3%. Poucos países fizeram tantas reformas relevantes como o Brasil. E este ano não é diferente: a reforma tributária está bem encaminhada e deve ser aprovada neste ano para partir para a regulamentação. E também houve uma agenda de não reforma que não andou. Falou-se em mexer na reforma trabalhista, da Previdência… O saneamento chegou a ter mudança, mas voltou. Esse ímpeto anti-reforma foi segurado, principalmente no que o Congresso precisa aprovar.

Valor: Qual é o balanço?

Figueiredo: Por um lado, a gente avançou na reforma tributária e também avançamos para não ter situação fiscal muito ruim. O Brasil não tem uma política fiscal ainda sustentável, mas também não está indo para o outro lado. Outra coisa foi o lado externo. Foi ano de avanços na agropecuária, de recordes na balança comercial, balança do petróleo… Isso tudo fez com que o ambiente fosse muito mais positivo do que se imaginava. Tem um país que cresce, nosso Banco Central foi um dos primeiros a conseguir começar a reduzir a taxa de juros, nossa inflação desacelera… Outra coisa foi a Nairu, a taxa de desemprego de equilíbrio. O mercado imaginava perto dos 8%, 10%, mas o mercado de trabalho se mostra muito melhor. Essa taxa então parece mais perto de 7%, sem grande questão de salário. Isso claro que ajuda o Banco Central. E, graças a toda essa mudança estrutural, temos mais crescimento.

Valor: Mas o mercado ficou pessimista…

Figueiredo: O que atrapalhou muito o mercado e os agentes a lerem o que acontecia foi a narrativa, que foi pior. Principalmente do [presidente] Lula, de que a parte fiscal não poderia atrapalhar a agenda social. Mas o fato é que o governo foi buscar receitas. [Ajuste] Não foi por despesas, que seria melhor, mas se tentou crescer receitas para um déficit contínuo. Houve muita dúvida do que viria pela frente, então os ativos brasileiros sofreram no fim de 2022 e início de 2023. Mas, como a agenda negativa não aconteceu, prevaleceu o ambiente melhor. Ou seja, a narrativa é numa direção, mas as atitudes do governo são mais para o lado positivo. O resultado é que os ativos acabaram indo bem. Alguns exemplos: a curva de juros dos títulos de dez anos caiu 200 pontos, a taxa de câmbio ficou contida, com pequena valorização no ano, e a própria bolsa subiu 20% em dólar este ano. Foi um ano de agenda econômica em que o discurso foi pior do que a prática. O mercado ficou muito apreensivo. Há a questão de que os modelos não capturam as reformas, mas o mercado age a partir dos sinais. Os sinais eram negativos, só que as ações foram em outra direção. Já em janeiro o governo fez um ajuste fiscal. E os ministérios da Fazenda e do Planejamento não deixaram de ir atrás de novas receitas para o déficit não crescer muito. E fechará o ano em cerca de 1% do PIB, bem melhor que o projetado. A agenda mais positiva andou e a agenda negativa não andou. O risco estava ali, a incerteza estava ali, mas na prática não aconteceu.

Valor: E qual o momento hoje?

Figueiredo: Estamos em um momento de transição do ciclo econômico, em que a política monetária ainda tem efeito muito forte. Embora esteja em queda, o juro continua alto e faz um trabalho de esfriar a economia, mas é uma transição. Em alguns meses, a política monetária não será tão restritiva e ajudará o PIB a se aquecer. A inflação em 2024 deve ser entre 3% e 3,5%. O Banco Central vê o juro neutro da ordem de 4,5% em termos reais, o que dá juro de 8%. Será que estaremos com juro neutro no fim de 2024? Talvez não, mas perto disso. A Selic deve ser mais para perto de 9% e eventualmente até abaixo. É um juro acima do nível neutro, mas ajuda o crédito e o investimento. Do lado doméstico, há mais possibilidades para acelerar o passo [do corte de juro], mas lá fora atrapalhou um pouco. Então devemos continuar com 50 pontos básicos pelo menos nas duas próximas reuniões do Copom [Comitê de Política Monetária].

Valor: E o PIB em 2024?

Figueiredo: O mercado projeta crescimento baixo, de 1,5% a 1,7%, e nós da Jive Investments estamos mais animados por tudo o que falamos. Provavelmente, depois das reformas, nosso PIB potencial é maior do que o mercado projeta. Nosso número [para 2024] está mais para 2% a 2,5% que para 1,5%.

Valor: De onde virá a alta?

Figueiredo: Daqui a seis, oito meses, muito provavelmente o investimento voltará a acelerar com o juro mais baixo. Hoje não é só crédito bancário [que afeta o investimento], mas o mercado de capitais também é muito relevante. Ficou parado e voltou no terceiro trimestre. A própria bolsa deu uma recuperada. Então o investimento deve voltar. E é importante que não se esteja numa agenda mais populista. Ela não aconteceu e provavelmente não acontecerá em 2024, considerando a área econômica. É claro que tem a questão da Petrobras e das outras estatais, há receio com a governança, mas temos inflação mais baixa, juro mais baixo, o mercado projeta redução do juro nos Estados Unidos no primeiro semestre…

Valor: O senhor disse que ainda não temos política fiscal sustentável. Qual é o diagnóstico?

Figueiredo: A questão fiscal ainda é um risco, porque o arcabouço tem se mostrado frágil em segurar decepções. Mas, mesmo com essa fragilidade, não parece que teremos surpresa ruim da arrecadação: ocorrem frustrações já mapeadas. E a agenda de melhora tributária e de arrecadação mal ou bem tem andado. O mercado projeta perto de 1% de déficit no ano que vem. Estamos com uma conta um pouco mais positiva, algo em torno de 0,6%, 0,7% do PIB. Mas sabemos que já, já a questão fiscal terá que ser resolvida, o Brasil não pode continuar com déficit indefinidamente. Para uma relação estável entre a dívida e o PIB, é preciso superávit de 1,5% a 2% do PIB. Em algum momento, nos próximos anos, teremos que tratar a questão. Talvez fique para o próximo governo: é verdade que temos algum tempo porque a dívida não cresceu como se imaginava. A dívida está em torno dos 80% do PIB, que é muito alta, mas não descola.

Valor: Há base para crescimento mais sustentável?

Figueiredo: Sim, estamos com base de crescimento maior. O que atrapalha muito o olhar para a frente é estar sempre flertando com o problema fiscal. Se estivéssemos com superávit de 1,5%, 2% do PIB, a economia podia rodar mais perto de 3% que abaixo de 2%. Mas não é essa a nossa realidade, a gente é o que é. A gente flerta, flerta, mas pelo menos não flerta com um populismo desenfreado. E tem outro aspecto. Quando olha para nossos pares e o mundo, vê que o mundo não está andando num caminho correto no lado fiscal. Nos Estados Unidos, o déficit é enorme. E isso acontece na Europa e em muitos emergentes. Até brinco: Nessa competição de bruxas, nossa bruxinha nem é tão feia assim.

Valor: A desaceleração do PIB coloca pressão nos gastos?

Figueiredo: Uma vez com o Orçamento aprovado e o arcabouço fiscal funcionando, é limitado o que o governo pode fazer para ampliar muito os gastos. O próprio Congresso tem rejeitado um déficit maior, mais para o lado de ampliar as receitas no ano que vem. O cenário de mais gastos ou déficit seria se o PIB viesse muito fraco em 2024, o que não parece ser o caso.

Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/12/12/discurso-do-governo-foi-pior-que-resultado-pratico-diz-luiz-fernando-figueiredo.ghtml

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