Será preciso monitorar de perto a frequência escolar e pagar benefício relativamente maior para alunos mais velhos
Valor
A Câmara dos Deputados aprovou nesta semana o projeto de lei que cria uma poupança destinada aos jovens que estão no ensino médio, para tentar diminuir a alta taxa de evasão que ocorre nesta etapa. O programa é meritório, mas será que ele será suficiente para reduzir a maior parte da evasão? Que outras políticas poderiam ajudar a reduzir a evasão no ensino médio?
Segundo as regras divulgadas, o novo programa criará uma conta de poupança com valores a serem depositados na conta de cada aluno, mas que só poderá ser retirada no final do ensino médio. Além disto, o aluno receberá também um benefício mensal que poderá ser movimentado livremente. A poupança será concedida a alunos de escolas públicas que estão inscritos no Cadastro Único do governo federal (CadÚnico) e terá como contrapartidas: frequência escolar, aprovação na série cursada, matrícula no ano seguinte, participação obrigatória nos exames de avaliação de aprendizado e no ENEM.
O programa é uma boa iniciativa para tentar reduzir a evasão, mas como podemos implementá-la para obtermos o maior impacto com menor custo? É importante entendermos, em primeiro lugar, que a evasão escolar depende crucialmente da idade com que os alunos chegam no ensino médio. A figura mostra a porcentagem de estudantes que saíram da escola dois anos depois do início do ensino médio. Podemos verificar que a evasão aumenta continuamente com a idade. Quando o aluno chega no primeiro ano do ensino médio com 15 anos, a probabilidade de evasão é de apenas 12%. Mas, quase metade dos alunos que têm 17 anos no primeiro ano abandona a escola. E quando eles chegam ao ensino médio com 18 anos, a taxa de evasão chega a 62%!
Assim, a taxa de evasão média, que é de 23%, esconde grande diferenças entre alunos com diferentes perfis. Além disso, muitos dos que chegam mais velhos na escola acabam mudando para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que é mais fácil de ser concluída. Mesmo assim, a maioria dos jovens mais velhos não mudam para o EJA e preferem abandonar a escola totalmente, pois não tem interesse no diploma. Isto ocorre porque a atratividade do mercado de trabalho é maior para estes alunos, de tal forma que o custo de oportunidade de continuar estudando é mais alto para eles.
Para diminuir a evasão de forma mais contundente teríamos que acabar com a repetência
Como quase todas as crianças começam a escola na idade certa, o motivo pelo qual muitos jovens chegam mais velhos no ensino médio são as altas taxas de repetência que ainda prevalecem no país. Dados do Pisa mostram que 1/3 dos alunos brasileiros de 15 anos de idade repetiram de ano pelo menos uma vez na vida, a quarta maior porcentagem dentre todos os países que fizeram o exame. Para efeito de comparação, o porcentual de alunos de 15 anos de idade que já repetiram de ano no Reino Unido é de apenas 2,5% e no Canadá é de 5,4%.
Estes dados são importantes para entendermos como podemos implementar melhor o novo programa de poupança para os jovens. Em primeiro lugar, parece claro que deveríamos eliminar a repetência no ensino fundamental, para que os alunos cheguem mais novos ao ensino médio. Várias pesquisas mostram que os programas de progressão continuada (ciclos) diminuem a evasão sem diminuir significativamente o aprendizado.
Sabemos que a repetência provoca a estigmatização do aluno, não melhora seu aprendizado no futuro, aumenta muito os gastos do governo e penaliza os mais pobres, que não tiveram investimentos na primeira infância. Obviamente, o fim da repetência teria que vir junto com um programa de reforço escolar no contraturno para os alunos com mais dificuldades, para que eles consigam superar suas deficiências.
O projeto atual prevê que somente os alunos inscritos no Cadastro Único receberão a poupança, o que está correto, porque as taxas de repetência e de evasão são bem maiores entre os alunos mais pobres. Mas a implementação do programa poderia ser melhorada, se o governo implementasse medidas adicionais para os alunos que chegam no ensino médio mais velhos. O valor depositado na poupança que seria suficiente para evitar a evasão de um aluno de 15 anos pode não ser suficiente para um jovem de 18 anos, que tem uma probabilidade muito maior de evadir.
Além disso, há diferenças muito grandes na taxa de evasão e composição etária dos alunos no ensino médio em diferentes localidades. Por exemplo, 53% dos alunos chegam no ensino médio com a idade correta em São Paulo, que adota um regime de progressão continuada. Já na Bahia e no Amazonas, que têm altas taxas de repetência, a parcela de jovens na idade correta é apenas 22%. Assim, é necessário que haja um programa de monitoramento cuidadoso ou até mesmo um valor diferenciado para os alunos mais velhos.
Em suma, além do novo programa de poupança, para diminuir a evasão de forma mais contundente teríamos que acabar com a repetência, que causa muitos prejuízos para os nossos jovens e provoca um aumento da desigualdade educacional e de renda. Enquanto isso não ocorre, será necessário monitorar de perto a frequência escolar e pagar um benefício relativamente maior para os alunos mais velhos, para que eles não deixem a escola e percam a poupança.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/evasao-no-ensino-medio.ghtml
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