Artigos

Exportação de serviços, uma oportunidade para o Brasil

O Congresso tem a oportunidade de formalizar uma regra mais transparente para concessão de crédito à exportação de serviços

Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski

Valor

O comércio exterior mundial é da ordem de US$ 50 trilhões por ano. Deste total, aproximadamente 25% são serviços. No caso brasileiro, o fluxo foi de US$ 607 bilhões em 2022, mas de um total exportado de US$ 335 bilhões, as nossas exportações de serviços foram de apenas US$ 39 bilhões. Esta exportação de serviços é muito meritória, por representar a venda de conhecimento e tecnologia, e por arrastar a exportação de máquinas e equipamentos produzidos no país. Implica geração de divisas, e leva sempre ao aumento da competitividade do produto ou do serviço aqui produzido. As exportações permitem a ampliação de escala das empresas brasileiras e levam a uma diversificação da carteira de clientes, e consequentemente, à mitigação de riscos.

Pouco espanto causa o fato de que 93 países têm agências públicas de crédito à exportação. Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Japão, Coreia do Sul, China são exemplos que têm poderosas agências que financiam a exportação. Riscos políticos associados a empréstimos para entes soberanos são tradicionalmente assumidos por instrumentos públicos de crédito à exportação, mediante cobrança da remuneração de risco.

Enquanto aqui apenas 12% das exportações são de serviços, países de desenvolvimento semelhante exportam muito mais. Das exportações australianas, 18% são serviços; na Tailândia o número é de 20%; na Nova Zelândia e Filipinas, de 30%. Enquanto o Brasil exporta de serviços o equivalente a 2,1% de seu PIB, a OCDE exporta 8,2%, e a média mundial é de 7%. Mesmo na América Latina, a média é de 3,8% do PIB. O Brasil tem 1,4% das exportações mundiais de bens e apenas 0,56% da exportação mundial de serviços. Os números absolutos são ainda mais impactantes: enquanto em 2022 o Brasil exportou US$ 39 bilhões de serviços, a Itália exportou US$ 123 bilhões; a Espanha, US$ 167 bilhões; a Índia, US$ 240 bilhões e a França, US$ 336 bilhões. Em outra liga estão a Alemanha (US$ 428 bilhões) e os Estados Unidos (US$ 700 bilhões).

Há muitos obstáculos para a expansão das exportações brasileiras de serviços. Uma delas é a tributação direta e indireta ainda existente sobre estas exportações. Na indireta, as fontes de distorções são as dificuldades na recuperação de créditos que geram cumulatividade e a natureza das interpretações sobre a “não incidência” do ISS sobre a exportação de serviços. Outro obstáculo relevante é a ausência de financiamento competitivo. Entre 1998 e 2017 o BNDES desembolsou R$ 22 bilhões (equivalente a US$ 10,5 bilhões ao câmbio utilizado em cada desembolso). Neste período o financiamento à exportação de serviços, representou apenas 1,3% do valor desembolsado pelo banco. Recebeu entre juros e amortizações RS$ 39 bilhões (correspondente a US$ 13 bilhões também ao câmbio vigente nas datas de entrada dos recursos), a despeito da inadimplência de Cuba, Venezuela e Moçambique que devem ao país US$ 1,1 bilhão. Ao contrário do que muitos pensam, não há remessa de recursos para o exterior: o financiamento cobre serviços e bens produzidos no país, e os desembolsos são realizados exclusivamente em moeda nacional ao exportador brasileiro.

O eventual inadimplemento é coberto por um Fundo de Garantia à Exportação, que foi constituído pelo governo brasileiro em 1997, com o aporte de ações de empresas públicas no valor de US$ 1 bilhão. Todo ente financiado é obrigado a pagar um seguro de crédito que alimenta o fundo, hoje com um ativo de R$ 44 bilhões, portanto suficiente para garantir um valor enorme de exportações de serviços; em resumo, quem forma o fundo garantidor são os próprios exportadores. O Seguro de Crédito à Exportação funciona cobrando prêmios de seguro e, caso haja inadimplência, indeniza o financiador e busca recuperar o valor em atraso.

Por outro lado, favorecimentos anteriormente feitos a obras de países que sabidamente não tinham condições de pagamento prejudicaram linhas de financiamento e provocaram reações do Congresso que em nada ajudam na relevância que o tema demanda. Inclusive agora, discussões que fragilizam uma necessária boa governança, e que passam por revisão da lei das estatais, avanços políticos em Conselhos de empresas públicas, reversão de privatizações, entre outras, são pontos de dúvidas imobilizantes.

Ainda assim, o Congresso Nacional tem a oportunidade de formalizar uma regra mais saudável e transparente de concessão deste crédito, dando a sua aprovação ao Projeto de Lei nº 5.719, encaminhado à Câmara dos Deputados pelo Poder Executivo no dia 27 de novembro passado.

O projeto proíbe a concessão de novas operações de crédito entre o BNDES e os países inadimplentes com o Brasil. Com a aprovação teríamos acesso público a todas as informações sobre a carteira de financiamentos à exportação concedidos pelo BNDES. Ainda mais, o BNDES anualmente deverá apresentar ao Senado Federal relatório indicando o resultado para a economia brasileira dos financiamentos concedidos para a exportação de serviços. Este projeto de lei substitui outros de iniciativa parlamentar, cujas normas vão do exótico ao bizarro. Alguns destes projetos simplesmente vedam a concessão de financiamento público para obras que venham a ser executadas fora do país. Outros preveem que os financiamentos só podem ser concedidos com prévia e expressa autorização do Congresso Nacional, ou ainda que só seriam financiados projetos a serem executados em países que tenham grau de investimento. Desta vez, o projeto apresentado pelo Poder Executivo é melhor, mais simples, menos burocrático.

O Brasil continua sendo um país muito fechado. A corrente de comércio brasileira (exportações mais importações) representa 39% de nosso PIB. A média da América do Sul é de 56%; para países como Coreia do Sul, Canadá e Turquia o índice varia entre 56 e 70%.

A integração da economia brasileira ao mundo exige também que nos tornemos um exportador relevante. E o aumento da exportação de serviços é parte essencial deste cardápio. Uma razão a mais para darmos este passo agora.

Finalmente, portanto, uma oportunidade nova para as combalidas – mas sedentas de produtividade – empresas brasileiras.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/exportacao-de-servicos-uma-oportunidade-para-o-brasil.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Pedro Passos