Estadão
Gestores de ativos que não tiverem alguma propensão ao risco jamais terão sucesso. O contrário ocorre com os banqueiros centrais. Neste caso, a propensão ao risco pode ser útil no curto prazo, quer no plano político, quer para “agradar aos mercados”, mas em nada ajuda no comprimento de seu mandato. Em um trabalho publicado pelo Grupo dos 30, três experientes ex-banqueiros centrais, Jacob Frenkel, Raguram Rajan e Axel Weber, reafirmaram que, diante dos erros cometidos em suas projeções após a pandemia, os bancos centrais deveriam ser “humildes”, mantendo o foco na ancoragem da inflação à meta.
Como nos lembra outro ex-banqueiro central, Alan Blinder, para cumprir seus mandatos os banqueiros centrais não têm apenas de ser politicamente independentes, com plena liberdade de manejar a taxa de juros, mas têm de ser independentes do mercado, observando que essa última propriedade não é facilmente atingida. Afinal, muitos tiveram alguma experiência no mercado financeiro, e com ele interagem continuamente, o que os leva a dar grande peso às suas reações, afetando seu grau de propensão ao risco. É preciso resistir à tentação de agradar aos mercados, e manter o foco na ancoragem das expectativas de inflação à meta.
Na última semana, o BCE e o Fed mantiveram as taxas de juros, porém, com pronunciamentos opostos de seus presidentes. Enquanto Lagarde reafirmou que o BCE ainda não cogita iniciar uma redução da taxa de juros, Powell afirmou que está mais preocupado em “evitar o exagero na restrição monetária” do que em colocar a inflação na meta. A reação dos mercados foi instantânea: no Brasil, o dólar que vinha ensaiando passar a barreira de R$ 5,00 caiu para perto de R$ 4,80, e nos EUA as taxas das treasuries desabaram, indicando elevação da probabilidade de cortes logo no início de 2024.
Os “traders” agradeceram Powell, mas será que, do ponto de vista do controle da inflação, seu pronunciamento mereceria aplausos? Como nos lembram os autores do trabalho do Grupo dos 30, o mandato efetivo de um banqueiro central é manter a inflação na meta, usando não só a taxa de juros, mas suas indicações sobre os próximos passos da política monetária. Na visão de Larry Summers, em artigo no Financial Times, não foi essa a comunicação de Powell.
Quanto ao Brasil, a pergunta que esses dois episódios nos trazem é: será que o nosso Banco Central está preocupado com colocar a inflação na meta ou estaria propenso a “arriscar” uma queda mais intensa da Selic de forma a “contribuir” para a retomada do crescimento?
Link da publicação: https://braziljournal.com/o-futuro-da-bloomberg-sem-mike-bloomberg/
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