Folha
Na quarta-feira da semana passada (20), participei da mesa de longo prazo do 51º encontro da Anpec (Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia).
Minha apresentação teve quatro partes. Na primeira, a partir da revisão do crescimento brasileiro de 1900 até 1980 de Bacha, Tombolo e Versiani, documentei que o Brasil tinha, em 1900, 20% do PIB per capita americano –mais ou menos o que temos hoje. Segue daí o título de minha apresentação: “Mediocridade Perene”.
Fato pouco notado é que a aceleração do crescimento brasileiro não ocorreu após a revolução de 1930, mas sim após a primeira guerra.
Em que pese o crescimento do produto per capita entre 1918 e 1980 ter sido menor do que se imaginava –3% ao ano, em vez de 3,9%–, nosso desempenho no período seguinte foi bem pior. Entre 1980 e 2019, crescemos ao ritmo per capita de 0,8%.
Por que nosso crescimento entre 1918 e 1980 foi tão bom? Esse é um período durante o qual a economia mundial inicialmente se fechou, e no qual a abertura que ocorreu, após a segunda guerra, se deu com uma governança que nos favoreceu. As empresas transnacionais instalavam-se em países emergentes –principalmente em economias com escala, como é o caso da brasileira– para produzir localmente e aproveitar o mercado de consumo local.
Na segunda parte de minha apresentação, analisei nossa grande estagnação. Por que, após termos resolvidos os problemas com a dívida externa, não voltamos a crescer? Mesmo após a estabilização da economia com o Plano Real, não conseguimos retomar o crescimento mais acelerado.
Três fatores me parecem ter agravado nossas dificuldades. Primeiro, nossa incapacidade de engatar nas cadeias globais de valor. Entre 1990 e 2010, o comércio internacional saiu de 15% do PIB mundial para 25%. Esse crescimento ocorreu em função da construção das cadeias globais de valor, nas quais o salto do comércio foi de bens em processamento. Ficamos completamente fora desse movimento.
Segundo, nosso contrato social da redemocratização (aumento grande da seguridade social em reação à demanda do eleitorado) reduziu a poupança doméstica –após controlarmos pela demografia–, pressionando juros, câmbio e aumentando a percepção de risco. Minhas contas sugerem que nosso excesso de gasto previdenciário, após controlarmos pela demografia, em relação à média internacional, reduz a taxa de poupança em 5% do PIB.
Terceiro, a estrutura tributária construída no final dos anos 1960 não se adaptou às alterações na forma de produzir que ocorreram logo em seguida. A tendência desde os anos 1970 é que haja terceirização das atividades produtivas. Essa é a tendência principalmente na indústria manufatureira. Nossa complexidade tributária e a separação da base de bens, ICMS, da base serviços, ISS, dificultam muito o processo de terceirização. Nesse sentido, a reforma tributária recém-aprovada, mesmo com suas concessões, é um passo na direção certa.
Na terceira parte de minha exposição, decompus o período de 1981 até 2019 em cinco etapas: de 1981 até 1993, redemocratização e hiperinflação; de 1994 até 2006, estabilização e liberalização; de 2007 até 2013, intervencionismo; de 2014 até 2016, nossa grande crise; e de 2017 até 2019, lenta recuperação. Os ganhos do período do intervencionismo foram quase que integralmente eliminados com nossa grande crise. Ela representou uma perda permanente de 10% do PIB.
Na quarta parte, apresentei diversas evidências de que a política econômica praticada entre 2007 e 2013 não era sustentável. Ao longo do período tivemos: piora fiscal; salários crescendo além da produtividade; rentabilidade do setor privado em queda; redução das exportações líquidas; e inflação em elevação. Claramente o regime de política econômica era não sustentável.
Nossa democracia ainda não conseguiu encontrar um pacote de política econômica sustentável que gere crescimento com redução de desigualdade. Para os interessados, o arquivo da apresentação encontra-se neste link.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2023/12/brasil-no-longo-prazo.shtml
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