Em 2023, crescimento surpreendeu; para 2024, situação fiscal é a grande dúvida
Folha
Meu cenário positivo para 2023 era: “Haddad executa menos do que o espaço dado pela PEC da Transição, estabelece uma regra fiscal que sinalize queda da dívida pública em horizonte não excessivamente longo e consegue aprovar algum aumento da carga tributária. (…) A economia deve crescer 1%, a inflação fechará na casa de 5%, a caminho da meta em 2024, e o ciclo de queda de Selic deve se iniciar no terceiro trimestre”.
Errei no crescimento, mas nas outras variáveis fui bem. O cenário positivo considerava uma situação fiscal melhor do que a ocorrida. Penso que a economia americana, que apresentou desinflação em 2023 mais forte do que se imaginava, contribuiu para a materialização do cenário positivo.
Pelo segundo ano, o crescimento surpreendeu-me para melhor. Houve uma safra perfeita, e seus impactos sobre outros setores, principalmente transporte, explicam boa parcela da surpresa. No entanto, me parece que o potencial de crescimento brasileiro se elevou de algo próximo de 1,5% para 2%. Desde 2015, um conjunto grande de reformas foi aprovado.
O grande evento do ano foi a aprovação da reforma dos impostos indiretos. Enorme conquista da sociedade. Deixará herança importante que será colhida a partir da década de 2030.
Dada a necessidade de continuar a enfrentar o surto inflacionário, a política monetária será contracionista por boa parte do próximo ano. O crescimento deve ser de 1,5%, a inflação, de 4%, e o câmbio deve andar de lado.
Uma grande dúvida refere-se ao ponto terminal da taxa Selic. Penso que teremos, em dezembro de 2024, juros na casa de 9,5%.
Me parece que o presidente Lula escolheu repetir em seu terceiro mandato a combinação de política econômica que vigorou no seu segundo mandato: política fiscal mais frouxa e política monetária mais apertada.
Assim, devemos ter inflação rodando a 4% e Selic a 9,5% em 2025 e 2026. O juro real na casa de 5,5% ao ano será necessário para que a inflação não se descole.
A grande dúvida para o cenário deve-se à insustentabilidade da política fiscal, que continuará a pesar sobre nós em 2024.
Em 2023, o déficit primário deve ser da ordem de 1,4% do PIB, e há enorme dúvida sobre o poder arrecadador das medidas aprovadas pelo Congresso em 2023 com o objetivo de elevar a arrecadação. Penso que o déficit em 2024 será na casa de 1% do PIB.
Dado que, para 2024, a meta é déficit zero, teremos revisão da meta em março ou maio. O presidente Lula já deixou claro que não deseja contingenciar.
Para que não haja nenhum contingenciamento, a meta terá de ser revista de 0% para déficit 1% do PIB. Nesse caso, estaremos em um cenário ruim, em que pode haver alguma reação do mercado.
No entanto, é possível que Haddad convença Lula de que é melhor uma revisão menor da meta, para algo como déficit de 0,5%. A meta não seria cumprida, mas o contingenciamento em 2024 seria menor.
Por outro lado, as outras duas medidas corretivas do arcabouço fiscal seriam acionadas: os gatilhos que impedem aumentos automáticos dos gastos em 2025 e um limite de gastos menor em 2026 (elevação correspondente a 50% do aumento da receita de 2025, não a 70%).
A economia americana não deverá ajudar mais em 2024 em relação ao que temos no final de 2023. O mercado já espera cinco cortes de taxa de juros por lá, e não creio que a dinâmica inflacionária alterará esse cronograma.
Se não houver surpresas negativas nos Estados Unidos, meu cenário relativamente benigno para o Brasil pode se materializar.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2023/12/olhando-para-a-frente-e-para-tras.shtml
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