A falta de respeito por leis e regras mínimas de convivência tem dado a tônica no País
Estadão
Passei o fim de ano numa ilha da fantasia. Não pela natureza do lugar, nisso o Rio é imbatível. Foram três semanas sem olhar por cima do ombro ou andando pela calçada sem medo de ser atropelada. Essa tranquilidade virou sinônimo de férias. Mas, bastou um dia, e meu estado zen foi para espaço. Quase passei por cima de uma moto que ignorou o sinal vermelho. Perplexo, meu neto no banco de trás voltou a questionar: “Vovó, no Brasil moto pode avançar sinal?” Não, não pode.
A falta de respeito por leis e regras mínimas de convivência é o novo normal. Ser assaltado virou parte do dia a dia dos cidadãos. A resposta da polícia é “não dê bobeira com seu celular”. Há uma sensação de impunidade generalizada: bandidos voltam facilmente às ruas; milicianos são prestadores de serviços públicos em comunidades indefesas e a corrupção é tolerada.
Um tsunami de violência está se alastrando pelo País. As redes sociais compartilham a ficha corrida de quem acaba de cometer um crime, seja roubo, seja homicídio. Quase todos têm inúmeras passagens pelo sistema penal, vários com mandados de prisão expedidos, quando não são fugitivos que saíram da cadeia pela porta da frente. Um regime de progressão automática coloca nas ruas condenados por crimes de maior gravidade.
Há algo de errado com nosso sistema jurídico quando os custos em descumprir a lei são bem menores do que seus benefícios. E isso se aplica do cidadão que “estaciona” em fila dupla à corrupção em altos níveis de governo, incluindo o aumento dos níveis de violência.
A população amedrontada quer uma resposta. Mas não confia nas instituições. O exemplo que vem de cima não é bom. Vários governadores já foram presos, inúmeros policiais estão diretamente envolvidos com milícias. O novo ministro da Justiça, um ex-ministro do STF, virou consultor de grupo envolvido em denúncias de propina logo que saiu do Supremo. Decisões monocráticas do STF vão anulando multas bilionárias decorrentes de delações voluntárias. Mais um pouco, vamos ter de pagar indenização para corruptos confessos.
A sociedade está perdendo a paciência, se sente desamparada pelo Estado. Tem raiva e medo. Já vimos isso com a onda de justiceiros que surgiu após uma série de assaltos e arrastões em Copacabana. Imagens violentas de “justiça com as próprias mãos” recebem milhares de curtidas e centenas de compartilhamentos.
Não sei dizer como tudo começou, vem de longe, mas, a continuar desse jeito, não deve acabar bem.
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