Não será com a eliminação do Estado judeu que os já consideráveis obstáculos desaparecerão
Folha
A história do antissemitismo se estende por séculos. Judeus foram perseguidos por terem uma religião diferente, por se recusarem a se assimilar, por tentarem se assimilar e, mais recentemente, por reagirem ao serem atacados.
Fomos expulsos da Espanha, de Portugal, da Inglaterra, do Egito, do Marrocos, do Iraque, assim como de outros países árabes e europeus. Fomos também mortos, dentre outros, por romanos, bizantinos, cruzados, muçulmanos, russos, poloneses e quase aniquilados no Holocausto pelos alemães. A população judaica no mundo hoje ainda não voltou aos números registrados há um século.
O movimento sionista, deflagrado pelo caso Dreyfus na França, refletiu basicamente o entendimento de que judeus não estavam seguros em lugar algum, nem mesmo nos centros ditos mais avançados da civilização ocidental. Percepção, diga-se, absolutamente correta, dada a tragédia de 1933 a 1945, em particular a “solução final”.
Israel, criado pela partilha da então Palestina pela ONU, em 1947, é a expressão do sionismo como direito à autodeterminação do povo judeu naquela terra. Obviamente, a partilha permitia também a criação de um Estado palestino, mas apenas um dos lados a aceitou; o outro preferiu a alternativa da limpeza étnica com auxílio de outros países árabes.
Deixemos claro, portanto, que Israel surgiu como resposta a séculos de antissemitismo. A noção, exposta por alguns, de que os episódios de perseguição depois de 1948 são de alguma forma resultado disso, não encontra qualquer justificativa histórica. Hoje, em particular depois do 7 de Outubro, não me resta a menor dúvida de que, caso Israel não tivesse sido criado, ou sobrevivido aos exércitos árabes em 1948, teríamos testemunhado outros episódios, provavelmente ainda piores do que o observado desde então.
Quem defende o grito de guerra de Hamas e assemelhados, aliás o mesmo de 1948, “do rio (Jordão) ao mar (Mediterrâneo)“, pregando, portanto, a extinção de Israel, nega o direito judeu à autodeterminação. Por consequência, nega também seu direito à defesa. Dizem ser antissionistas, mas são, na verdade, antissemitas. No caso, apenas uma versão mais recente de um fenômeno ancestral.
Os pretensamente mais sofisticados dizem não defender a expulsão, ou eliminação, da população judaica, mas sim integrá-la no contexto um Estado multiétnico, onde conviveriam os dois povos. À luz, porém, do ocorrido em 7 de outubro, deve estar mais do que claro que não se trata de uma solução possível. Não é o que a liderança do Hamas deseja; muito provavelmente, também não é o que a população palestina deseja e —sejamos honestos— também não é o que a população judaica deseja.
Há um caminho possível, ainda que —por erros de ambos os lados— não tenha sido trilhado, pelo menos não até o fim. Já disse aqui neste espaço e repito: trata-se da solução dos dois Estados, que hoje parece morta, mas pode ser revivida com novas lideranças em Israel e entre os palestinos.
Não tenho a menor ilusão de que será fácil. Não será, todavia, com a retórica antissemita e com a proposta de eliminação do Estado judeu que os já consideráveis obstáculos desaparecerão.
A insistência no slogan “do rio ao mar” resultou na derrota militar e, consequentemente, no status atual. Quem acredita na fantasia de que Israel é uma “colônia” ocidental ainda não entendeu que se trata de uma questão existencial para o povo judeu, ou —mais provavelmente— não tem a menor preocupação com a nossa sobrevivência depois de séculos de perseguições.
Antissionismo é, sim, antissemitismo.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/01/antissionismo-e-sim-antissemitismo.shtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.