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Aprendizado na pandemia

Precisamos nos perguntar por que nossos alunos aprendem tão pouco, mesmo após vários anos seguidos de aumentos de recursos para a educação

Valor

A pandemia foi um experimento natural que nos permitiu entender melhor a importância de frequentar a escola para o aprendizado dos alunos. Como muitas escolas ficaram fechadas durante um bom tempo, podemos examinar o que ocorreu com o aprendizado dos alunos pobres e ricos neste período. Podemos também comparar as diferentes unidades da federação, para tentar entender a importância das políticas de ensino à distância para o aprendizado durante a pandemia. O que mostram os resultados?

Vamos começar analisando os resultados do Pisa, um exame internacional realizado pela última vez em 2022 com alunos de 15 anos de idade em mais de 70 países. Os resultados mostram que o desempenho dos alunos brasileiros em matemática não se alterou significativamente entre 2018 e 2022, apesar da pandemia. Esse resultado é surpreendente, porque as escolas brasileiras foram as que ficaram mais tempo fechadas em 2020, entre todos os países analisados no relatório “The State of Global Education” da OCDE.

Por outro lado, o desempenho dos países da OCDE caiu 15 pontos no período, sendo que em alguns países, como Suécia, Alemanha, França e Holanda, a queda foi mais de 20 pontos após a pandemia. Outro resultado curioso é que, enquanto nestes países a queda de desempenho foi bem maior entre os alunos de nível socioeconômico mais baixo, no Brasil ocorreu o contrário. De fato, enquanto na Suécia os alunos mais pobres tiveram uma queda de 24 pontos em média, entre os mais ricos o desempenho caiu somente 9 pontos. Já no Brasil, a nota média dos alunos mais pobres não sofreu nenhuma alteração, ao passo que a nota média dos mais alunos mais ricos (que são minoria na amostra) declinou 13 pontos. O que pode explicar estes resultados?

Parece claro que o desempenho dos alunos brasileiros mais pobres não sofreu alteração na pandemia porque as escolas que eles frequentam não ensinam as habilidades necessárias para que eles tenham um bom desempenho no Pisa. Vale notar que o exame do Pisa é diferenciado, exigindo não somente o conhecimento de fórmulas prontas, mas também sua aplicação em questões do dia a dia. Mais ainda, pesquisas mostram que os alunos brasileiros nem chegam a ler boa parte das perguntas do Pisa, principalmente as que estão mais para o final da prova, mesmo antes da pandemia.

Assim, se nos países da OCDE os alunos mais pobres eram os que mais se beneficiavam da escola antes da pandemia e, portanto, foram os que mais sofreram com o seu fechamento, para os alunos brasileiros mais pobres o fechamento das escolas não fez diferença. Ou seja, para ter um bom desempenho no Pisa, a escola brasileira só parece fazer diferença para os alunos de famílias mais privilegiadas. Deprimente.

Maioria das escolas não fornece aprendizado necessário para que mais pobres atinjam níveis elevados de proficiência

Passamos agora a analisar o desempenho dos alunos nos exames nacionais, comparando as diferentes unidades da federação. Vale notar que, ao contrário do Pisa, os exames nacionais privilegiam conteúdos e geralmente são respondidos em questões de múltipla escolha. Sendo assim, o nível de exigência é, em média, menor do que o do Pisa. Desta forma, enquanto a nota de matemática do Pisa não mostrou variação entre 2018 e 2022, nos exames do Saeb foi detectada uma queda de 7 pontos em média.

O gráfico mostra a nota média de cada Estado no exame do Saeb do 3º ano do Ensino Médio em 2019 e sua variação entre 2019 e 2021. Podemos verificar, em primeiro lugar, que no Amapá, Pará, Amazonas e Maranhão, os alunos tinham um aprendizado tão baixo em 2019 que praticamente não houve queda de aprendizado com o fechamento das escolas durante a pandemia. Nestes Estados, a escola parece acrescentar muito pouco para o aprendizado dos alunos do ensino médio.

Em outro grupo de Estados, como Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Pernambuco e Ceará, o desempenho não declinou muito na pandemia, apesar do maior nível de aprendizado dos seus alunos em 2019. Isso provavelmente ocorreu devido aos esforços empreendidos pelos gestores educacionais destes Estados para colocar em prática o aprendizado à distância para os seus alunos, tanto fornecendo material didático apropriado como estimulando os alunos a continuarem estudando e fornecendo internet quando necessário.

Por outro lado, Estados como Goiás, Espírito Santo, Paraíba, Rio de Janeiro, Roraima e Mato Grosso do Sul parecem não terem tido sucesso nestas políticas, pois o desempenho caiu muito, apesar do bom desempenho inicial dos seus alunos. Nestes Estados, a escola parece fazer diferença para o aprendizado, mas seus gestores não foram capazes de manter o aprendizado durante a pandemia.

Em suma, o que podemos aprender sobre o desempenho das escolas brasileiras com o experimento natural provocado pela pandemia? Em primeiro lugar, os dados do Pisa mostram que a maioria das nossas escolas não consegue fornecer o aprendizado necessário para que os alunos mais pobres atinjam níveis elevados de proficiência, mesmo antes da pandemia. Assim, seu fechamento fez pouca diferença para estes alunos para estes resultados. Isso pode explicar em parte o nosso baixo crescimento de produtividade, mesmo após o grande aumento da escolaridade dos nossos jovens.

Já os exames nacionais mostram que há grande diferença de gestão entre os sistemas estaduais de educação, antes e durante a pandemia, mesmo para ofertar um aprendizado mais básico para os alunos. Por fim, precisamos nos perguntar por que nossos alunos aprendem tão pouco, mesmo após vários anos seguidos de aumentos de recursos para as escolas e de salários para os professores. Acho que ninguém sabe responder esta pergunta.

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Sobre o autor

Naercio Menezes Filho