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Impressões alpinas

Inteligência Financeira

A reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, que geralmente ocorre em janeiro, reúne algumas das principais lideranças empresariais do mundo, autoridades de várias áreas das políticas públicas, empresários, formadores de opinião, economistas, dentre outros stakeholders.

Trata-se de uma boa ocasião para capturar o sentimento e as preocupações de parte relevante da elite ocidental. E, para observadores brasileiros, um momento para tirar o olhar de questiúnculas locais para mirar os grandes temas do debate mundial: a natureza da “aterrisagem” da economia mundial, o impacto da inteligência artificial sobre empresas, economias e política, e os desafios da transição energética.

Nessa coluna, vou focar no primeiro tema.

Em linhas gerais, a visão consensual é que a economia mundial está em processo de normalização, após os efeitos da pandemia e das políticas adotadas na sua esteira.

Em particular, os impulsos observados nos últimos anos têm perdido força: o mercado de trabalho está ficando menos apertado em algumas economias (nem todas) e o estoque de poupança excessiva, acumulado em vários países, está próximo do fim; o que implica certa perda de dinamismo do consumo.

Por outro lado, o comércio global de bens vem mostrando sinais de recuperação, liderado, ao final de 2023, pelo setor automotivo. E o comércio digital e de serviços vem crescendo de forma consistente.

A visão dominante aponta para um crescimento do PIB global em torno de 3,0%, abaixo da média do século, 3,4%, com riscos balanceados, tensões geopolíticas do lado negativo, e resiliência do mercado de trabalho do lado positivo. Um pouso suave, portanto.

Há uma visão disseminada de que estamos em um período de taxas de juros mais elevadas (a Fed Funds Rate, por exemplo, na vizinhança de 3-4% ao ano).

Para o FMI, as taxas de juros neutras não mudaram tanto em países desenvolvidos, mas os bancos centrais devem ser circunstancialmente mais conservadores, por conta do recente surto – e susto – inflacionário.

Há também uma visão mais estrutural, que considera que estamos em uma era de taxas de juros permanentemente mais elevadas, por diversas razões: crescimento da dívida pública, aumento do populismo também em economias desenvolvidas, necessidade de aumentar os gastos com a transição energética e com defesa.

No contexto atual, dada a proximidade do repique inflacionário, políticas fiscais geralmente frouxas e riscos geopolíticos, a visão predominante é que os danos de uma flexibilização monetária prematura e excessiva seriam maiores do que aqueles derivados de um processo mais tardio e moderado.

Autoridades do ECB (Banco Central Europeu), em particular, se posicionaram claramente contra um cenário de flexibilização prematura, ainda que tenham mudado um pouco o tom desde então.

Especificamente sobre o Fed, a visão dominante é a de que deve evitar o erro de flexibilizar prematuramente, além de atuar de forma cautelosa e gradual.

Mas há uma minoria influente que considera que o chair Powell vai querer antecipar o ciclo, de forma a poder pausar (ou parar) durante a campanha eleitoral, para tirar o banco central da linha de tiro, tendo em vista que Donald Trump foi muito crítico ao Fed durante o ciclo de aperto monetário.

Uma percepção generalizada é que a política fiscal vai continuar com um viés expansionista nas economias avançadas, mesmo com o final da era de taxas de juros zero.

Nos EUA, a tendência é de deterioração fiscal, independente do resultado da eleição presidencial, apenas o formato será diferente: mais gastos com os democratas, menos impostos com os republicanos.

A consequência para os EUA e outras economias maduras será mais inflação e/ou juros mais altos para conter pressões inflacionárias – quadro que já conhecemos por aqui.

As consequências para mercados emergentes, especialmente os mais frágeis, será maior seletividade e eventual exclusão dos mercados de capital.

Em linhas gerais, os governos aprenderam, na pandemia, que a tecnologia para transferir recursos diretamente para a população é bastante eficaz, e que a política fiscal pode atuar prontamente para combater recessões, ao passo que a reação da política monetária seguirá atuando com defasagens. Esse padrão não deve ser alterado no futuro, a despeito do crescimento do endividamento.

Sem perspectiva para ajuste, a política fiscal americana deve continuar sustentando as taxas longas, mesmo com cortes de juros pelo Fed. Ambiente mais difícil e seletivo para mercados emergentes, em suma.

Uma avaliação positiva, generalizada em Davos, é que a nossa região, com o Brasil em destaque, conseguiu, não sem tropeços, conquistar um mínimo de estabilidade macroeconômica.

Nas duas últimas crises globais, 2008 e 2020, a América Latina, com a exceção que conhecemos bem, conseguiu praticar políticas contracíclicas e não precisou recorrer a auxílio externo.

Isso é atribuído, corretamente a meu ver, à adoção e implementação do regime de metas para inflação e taxas de câmbio flutuantes, com políticas fiscais que andam por vezes perto dos guard rails, mas não os extrapolam. A seletividade acima citada tende a premiar aqueles que não desviam da responsabilidade macroeconômica, e sancionar as opções populistas.

Link da publicação: https://inteligenciafinanceira.com.br/mercado-financeiro/impressoes-alpinas/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita