Estadão
Tem razão o Banco Central quando nos alerta de que “não há uma relação mecânica entre a condução da política monetária americana e a determinação da taxa básica de juros doméstica”. Mas isso não significa que, diante do comportamento da taxa cambial, as decisões do nosso Banco Central possam ignorar a conduta do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).
Em uma amostra cobrindo o período de 2002 a dezembro de 2023, verifica-se que, em geral, os movimentos do real seguem de perto os movimentos do dollar index.
Períodos de enfraquecimento do dólar, como entre 2002 e 2008, são períodos de valorização do real. Uma exceção ocorreu quando, ainda em 2019, bem antes de qualquer notícia sobre a pandemia, o Banco Central iniciou um ciclo de quatro reduções de 50 pontos base da Selic, que prosseguiu ininterruptamente em 2020, até levar a taxa básica de juros a 2% ao ano. Aquela queda acarretou a forte depreciação do real, com graves consequências sobre a inflação.
Os sucessivos pronunciamentos dos diretores do Fed deixam clara a sua divisão com relação aos próximos passos da política monetária nos EUA. Os mercados adorariam ver um início precoce do corte de juros, prolongando o ambiente favorável aos preços dos ativos iniciado com a enorme liquidez injetada a partir da pandemia. Se o Fed quiser trazer a inflação para a meta, contudo, diante da taxa neutra mais alta provocada pela expansão fiscal, terá de retardar o início dos cortes, encerrando o ciclo com uma taxa de juros mais elevada do que a existente antes da expansão fiscal dos últimos anos.
No Brasil, embora as expectativas de inflação estejam desancoradas, a pesquisa Focus projeta a Selic em 9% ao final do ciclo de easing. A desancoragem das expectativas aparece tanto nas respostas dos economistas à pesquisa Focus quanto na curva de inflação implícita extraída das curvas de juros nominais e reais. Se os mercados estiverem corretos nas suas projeções, para ancorar as expectativas à meta o Banco Central teria de parar o ciclo de easing antes de a Selic chegar a 9% ao ano.
Em adição, embora a relação entre as taxas de juros no Brasil e nos EUA não seja mecânica, ao enfraquecer o dólar o corte de juros por parte do Fed leva à depreciação do real, que se acentua com um maior estreitamento do diferencial entre as taxas de juros dos dois países. Como nos lembram Jacob Frenkel, Raguram Rajan e Axel Weber, três experientes ex-banqueiros centrais, a melhor conduta dos bancos centrais, inclusive do nosso, diante de toda a incerteza atual, é perseguir um único objetivo: o centro da meta de inflação.
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